Menino

Andava meio sem rumo pelas escadarias da parte oeste do Ganges, admirando como Deus foi generoso com esse pedacinho do planeta. Era fim de tarde, e a hora da cerimônia de devoção ao rio se aproximava. Justamente a deixa para crianças brotarem por todas as partes, oferecendo arranjos de flores montados em pequenas tigelas feitas com alguma folha resistente que lembra a de bananeira.

Depois de recusar várias ofertas, ele apareceu. Na bacia de metal que segurava com as mãozinhas encardidas, apresentava os arranjos mais feios da redondeza, com flores secas e carcomidas. Pedia o mesmo preço das outras crianças, 10 rúpias (cerca de R$ 0,40).

Era o mais maltrapilho dali. Estava sujo, com o shortinho jeans todo rasgado e pés descalços no chão imundo. Curiosamente, tinha os olhinhos mais brilhantes e a risadinha mais sincera. Mesmo com uma conversa limitada a “Ten rupees”, “No money” e “Yes, money”, veio seguindo ao meu lado por uns 20 minutos, dando pulinhos e tentando se comunicar em hindi vez ou outra.

Finalmente, a oferta final caiu para “Five rupees”, com os dedinhos de uma mão esticados. Eu disse o último “No money”, ele deu a última risadinha, e saiu em disparada para tentar a sorte com uma família indiana que passava por ali.

A cerimônia de devoção ao rio começou minutos depois. Me lembrei da minha família e dos meus amigos, muitos já com filhos tão amados e protegidos. Chorei copiosamente ao pensar no shortinho rasgado e nas flores carcomidas, sem entender o sentido de um mundo em que as crianças não foram feitas apenas para dar risinhos e pulinhos.