O que vi em Varanasi?
Publicado; 30/11/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Varanasi 12 ComentáriosOlhando pela janela do trem, a cidade fica para trás mas se mantém viva na memória dos últimos dias e dos próximos anos.
Talvez pela energia especial que os hindus depositem neste lugar, um dos mais sagrados da Índia. Segundo consta, Varanasi foi fundada pelo próprio deus Shiva, o destruidor. A ligação religiosa é lembrada pela presença chamativa dos sadhus, vagando pelas ruas com trajes laranjas e rostos decorados com pó de cinzas e tridentes vermelhos (símbolo de Shiva). Considerados homens santos, eles abdicaram dos bens materiais para impulsionar o desapego desse mundo e a conexão com o próximo*.
Em Varanasi, cidade auspiciosa para se morrer segundo o hinduismo, vi cadáveres em chamas na beira do Ganges, rijos como espantalhos quando cutucados para queimarem mais rápido. Vi corpos embalados em papel laminado, acomodados no chão em meio às cabras que comiam as flores fúnebres sem cerimônia, esperando a vez de ir para as fogueiras que nunca se apagam. Pela primeira vez vi as castas a olho nu, cada uma se consumindo no seu lugar. E os ossos grandes que não queimam, esses são jogados no rio. “Os peixes comem”, riu o homem. Aliás, ninguém ali chora, pois o homem disse que chorar atrapalha a alma que se foi. E achei que teria cheiro de churrasco, mas só cheira a madeira queimada mesmo.
Também foi em Varanasi que vi o Ganges como microcosmo de uma pequena cidade, funcionando manco de uma margem só. Lixo, vendedores que falam qualquer língua para empurrar mercadoria, pescadores, barqueiros, cachorros sarnentos, peregrinos se banhando, lavadores de roupa, cozinheiros, esgoto, artesãos, vacas encrencando com búfalos, cobras, cabras, corpos queimando, meninos empinando pipa, meninos tentando rebater um pedaço de pau na falta de uma bola, miseráveis reunindo cocô para usar como combustível, varais enormes, roupas recém lavadas estendidas no chão imundo, cerimônias religiosas tão ensaiadas que pareciam apenas coreografia.
Em Varanasi assisti ao meu primeiro concerto de música indiana em uma salinha de teto baixo inversamente proporcional à virtuose dos instrumentistas. Só não entendi porque o festival era dedicado a George Harrison, mas o importante é que o beatle appeal funcionou com a turistada.
No caminho para a estação de trem, Raju, o motorista do rickshaw a pedaladas, disse ter muitos amigos. Não satisfeito com o “good” meio morno, sacou uma agendinha com depoimentos de dezenas de clientes satisfeitos desde 2005, um impressionante TripAdvisor pessoal improvisado. Mais impressionante ainda a quantidade de vezes que a expressão “only honest driver in town” aparecia nas páginas amareladas.
Em Varanasi me senti uma pequena peça do estranho quebra cabeça existencial, esperando a hora de me encaixar em algum lugar.
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* Para o documentário Sadhu, o diretor Gaël Métroz acompanhou a saga tortuosa de um peregrino por vários meses, com cenas em Varanasi. Dois minutos de trailer aqui.
Resumão Mundolândia
Publicado; 29/11/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Bishnoi, Jodhpur, Khajuraho, Udaipur Deixe um comentárioO tempo passa e até as descobertas diárias, tão inéditas, viram rotina. Na combinação entre correria de um lugar para outro + acesso limitado à internet rápida + divisão do tempo livre entre o planejamento dos próximos passos/falar com a família e amigos antigos/entrosar com os novos amigos, algumas coisas legais acabaram ficando pelo caminho.
Me redimo agora com um resumão dos momentos imperdíveis das últimas semanas.
1) Ama à árvore como a ti mesmo
Você, defensor dos animais e da natureza, pode ter abdicado bravamente dos prazeres da carne, mas daria sua vida por uma árvore? Pois aqui na Índia isso já aconteceu não uma, mas 363 vezes. O povo Bishnoi vive em pequenas vilas perto de Jodhpur e é conhecido por interferir minimamente na natureza. Contrariando os costumes hindus, as famílias preferem não cremar os cadáveres para não usar lenha. Também não usam tecido de cor azul, pois isso significa que foi preciso maltratar uma planta para obter o índigo artesanalmente.
Aí que no Século 18, o manda-chuva local achou que devia cortar umas árvores na área dos bishnois para construir seu palácio. Uma mulher da comunidade se colocou entre os soldados e a floresta, dizendo que primeiro teriam de cortar a cabeça dela – o que não hesitaram em fazer. As filhas tiveram a mesma reação, assim como mais de 300 habitantes do vilarejo. Quando a matança chegou aos ouvidos do rei, virou uma comoção só e ele declarou a área toda intocável e santa. Se o bloqueio está funcionando plenamente não sei, mas um astro famosíssimo do cinema indiano está enrolado na Justiça há anos porque inventou de caçar um animal sagrado na área dos bishnois.
2) Luxo e lixo lado a lado
O que sempre ouvia antes de chegar a Udaipur era: “Nem parece a Índia” – observação parcialmente correta. A cidade é um deleite para os olhos, com palácios e resorts de 1.200 reais a diária rodeando lagos cobertos por uma bruma cênica, algo entre Veneza e a Lagoa Rodrigo de Freitas. O luxo é tão convincente que Udaipur foi uma das locações do décimo terceiro filme da saga James Bond, Octopussy (1983), estrelado por Roger Moore.
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Mas ó, nem precisa sair da área “nobre” dos lagos para ver a Udaipur da vida real. Só precisa treinar os olhos para mirar o que não reluz.
3) Tabu reverso
Segundo sabemos deste mundo, o tempo é o maior diluidor de tabus, transformando o chocante em corriqueiro. Mas na Índia esse conceito é relativo, ao menos quando olhamos para os templos de Khajuraho. Construído nos séculos 10 e 11 pela comunidade Chandela, o complexo tem construções incríveis com esculturas em relevo mostrando detalhes dos costumes da época: adoração aos deuses hindus, vida na corte, guerras, brigas de elefantes, apresentação de músicos e dançarinos e… sexo, em cenas orgíricas de fazer corar os desprevenidos (cavalo incluso).
Isso no país onde mal se vê casais de mãos dadas nas ruas hoje em dia.
p.s.1) Os álbuns completos de Jodhpur, Udaipur e Khajuraho estão no Flickr, na coluna aqui à direita.
p.s.2) Já estou na parte leste da Índia, rumando para o sul dentro de poucos dias. Esqueceu o link para acompanhar as andanças no mapa? Olha ele aqui!
Estilo indiano: 5 curiosidades
Publicado; 26/11/2013 Arquivado em: Índia 8 Comentários1) Proud Ronald men
Padrão é ótimo porque ele só significa alguma coisa para quem o segue. E aqui, regozijo ao perceber que muitos homens não estão nem aí para a ditadura da beleza ocidental que crucifica os tonalizantes masculinos. Coisa mais fácil na Índia é achar senhores ostentando, orgulhosos, cabelos e barbas com tons entre o vermelho Ronald e o laranja cenoura (resultado do uso da hena). Aliás, muito mais senhores que senhoras cuidando da cabeleira, diga-se de passagem.
2) Mulheres divas
Ainda no quesito danem-se os padrões ocidentais, é muito interessante perceber que as roupas típicas indianas são a maior opção entre as mulheres de todas as idades. Não importa se estão trabalhando no meio da roça, enfiadas no lixo ou deitadas no chão da estação de trem: o glamour se sustenta nos saris e conjuntos coloridíssimos em tecidos leves, muitas vezes bordados em dourado e prateado. Isso sem falar na enorme quantidade de acessórios igualmente coloridos e brilhantes: dezenas de pulseiras nos braços, brincões, piercing no nariz para todas as idades e de todos os tamanhos, pintura corporal de hena, adesivos na testa, etc. Lindas, lindas
3) Afeto masculino
Os paulistanos sem noção que adoram bater em homens abraçados na rua deveriam cumprir medida socioeducativa de um ano por aqui. Embora a tradição indiana seja restritiva com o carinho público entre casais, o mesmo não vale para homens: corriqueiro ver garotos, jovens, homens e senhores abraçados ou de mãos dadas caminhando por aí. Segundo perguntei, é a forma natural de demonstrar carinho entre amigos e familiares. Ah, e também ia ser bom para quem tem preconceito contra homem usando brinco: aqui eles usam até de florzinha, nas duas orelhas, coisa mais supimpa do mundo.
4) Branqueamento sem vergonha
Eu tenho para mim que a televisão é o termômetro dos anseios de uma sociedade. Se está passando a propaganda ali, dois motivos explicam: ou porque já vende muito, ou porque tem muito potencial de venda. E por aqui, um dos maiores hits são os cremes para branqueamento masculinos e femininos, em anúncios que fariam tremer os ativistas do orgulho racial. Geralmente a historinha é alguém que está se dando mal, começa a usar o creme (animação mostra o resultado em escalas de branco) e plim, tudo na vida se resolve. No máximo, vem um eufemismo que o creme serve para tirar os efeitos “da poeira, da poluição e do sol”.
5) Eles se amam, afinal
Lendo o item acima você imagina: nossa, eles devem ter um grande complexo de inferioridade. Será? Ainda considerando televisão/cinema como termômetros sociais, é incrível a quantidade de programação local que eles consomem. Clipes, seriados, filmes, tudo é daqui. Enquanto as televisões pagas choram as pitangas no Brasil para amolecer um sistema de cotas mínimas de programação nacional, aqui foi uma luta para achar um (1) canal que exibe conteúdo norteamericano. Um dia, quando assistia a um canal de clipes no Punjab, essa metáfora ficou bem clara. A cena começava em uma balada com Beyoncé bombando forte. Aí chegava a cantora indiana e trocava para a música dela, no melhor estilo “sai filha, quem manda aqui sou eu”. Fim.
O resort mais estrelado do mundo
Publicado; 22/11/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Camel Safari, Jaisalmer, Thar Desert 17 ComentáriosCheguei ao meu extremo oeste da Índia, onde encontrei Jaisalmer. Poderia falar do charme da cidade que ganhou o apelido de dourada, mas na verdade é amarela. Poderia falar da importância histórica como entreposto comercial rumo à Ásia Central nos tempos antigos, e também do atualíssimo significado geopolítico no eterno climão com o Paquistão.
Poderia falar do único forte que conheci tão ou mais vivo que na época da construção, no Século 12. Lojistas e moradores estão em cada ruazinha labiríntica da cidadela murada, tentando chamar a atenção dos turistas como podem. Já viu um castelo/palácio/forte todo formal em seu tombamento e pensou: “Como deveria ser isso nos tempos áureos?”. Pois em Jaisalmer tudo continua assim, bem áureo, bem dourado.
Mas o destaque deste post não está exatamente em Jaisalmer, e sim no seu vizinho – acredito eu, responsável por influenciar diretamente tudo que diz respeito à cidade: o deserto de Thar.
Nos últimos dois dias, passei por incontáveis paisagens do lugar famoso pelas secas que podem durar até sete anos, mas desta vez relativamente vivo e verde, resultado das chuvas que caíram em agosto último. A visão limpa dos cenários a desbravar favorecida pela companhia do líder entre os camelos do grupo – que não hesitou em morder a perna do rebelde que ousou ultrapassá-lo.
Ali fiz amizade com o guia que diz ter 25, mas aparenta 40, cujos maiores orgulhos são o bigode estilo marajá nunca raspado e jogar polo (de camelo, claro) contra o time do exército uma vez por ano. Sempre puxando uma música esganiçada pelo caminho, riu de mostrar todos os dentes quando eu disse que no Brasil poderíamos formar uma dupla sertaneja, Del Boy e Débora. Ele diz rezar todos os dias para conseguir dinheiro e viajar pela Índia. É o seu maior sonho.
Ali conheci os meninos ajudantes que acreditam ter um futuro mais promissor se deixarem de ir à escola para aprender como levar turistas e seus dólares/euros para o deserto.
Ali ajudei a cozinhar e a fazer pão numa fogueirinha improvisada no chão. Para quem me conhece, inusitado é pouco.
Ali brinquei com um cabritinho que havia nascido há uma hora, ainda tentando dar os primeiros passos com as perninhas tronchas.
Ali vimos o sol descer como uma laranja pelas dunas.
Ali esticamos nossas cobertas sobre a areia fina, acima de nós apenas o céu. Sempre que estava quase pegando no sono, acordava sobressaltada tentando não perder um segundo daquela visão celestial, redundando entre o literal e o poético.
Aos meus amigos que adoram os cinco estrelas, me desculpem… prefiro a companhia de milhões delas.
Pushkar delirium
Publicado; 17/11/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Pushkar Fair, Pushkar Mela 2 ComentáriosA primeira vez que soube de Pushkar foi pelo blog da Rachel e do Marco. E desde que li este post aqui, a feira anual que acontece por lá virou destino dos sonhos. Como resistir à mistura entre o furdunço típico de exposições agropecuárias (Fernandópolis <3) e o indian way of life? Só vendo.
Primeiramente, Pushkar em si já vale a visita. Cidadezinha de cerca de 15 mil habitantes encrustada no efusivo estado do Rajastão, é daquelas que dá para fazer tudo a pé. Fica instalada confortavelmente entre morros, dunas arenosas e um lago, considerado super sagrado pelos hindus. Segundo consta, Pushkar é o único lugar da Índia com um templo dedicado ao deus Brahma, que juntamente com Shiva e Vishnu, formam a santíssima trindade do hinduísmo.
Então que aqui já é um lugar de forte peregrinação religiosa para os indianos. Aí tem a peregrinação dos gringos mochileiros da cannabis (que aqui é meio que liberada). Eles fazem uma escala especial para provar o famigerado bhang lassi, literalmente, iogurte de maconha (faça uma rápida busca no Google para entender do que eu estou falando). Tem também os outros turistas ocidentais que vêm só pelo charme da cidade mesmo.
Mas aí tem a feira em meados de novembro, e bem, Pushkar vira uma mistura de tudo que você imaginou e não imaginou ver um dia.
Basicamente, milhares de comerciantes de gado, búfalos, ovelhas, cavalos e camelos de todo o país desembocam na cidade para trocas comerciais. Diferentemente das nossas assépticas feiras agropecuárias, eles se instalam em tendas espalhadas por um enorme espaço arenoso nas cercanias da cidade. Ficam lá meio nômades, junto de seus animais, que andam semi-soltos por todos os lados. Diferentemente das nossas burocráticas feiras, aqui parece que não tem muita frescura não: chegou, vai expondo e vendendo. Oferta e procura estão mais que suficientes para regular qualquer coisa que seja.
Aí que esse movimento acaba atraindo muitos outros movimentos, como expositores que vendem de jogo de canecas de vidro a brinquedos estranhos, de batidas sem álcool (aqui é proibido) a tratores, de calças jeans a uma nova fé. E tem vários parques de diversões (quatro rodas gigantes, gente), com shows de mágica bisonhos, globo da morte que não é globo, brinquedos puxados por tração humana, crianças pintadas como deuses hindus pedindo esmola.
E tem competições loucas como a do melhor bigode ou de qual estrangeira é a melhor noiva indiana. E tem artistas mambembes exibindo truques que despertariam ira nos protetores de crianças, macacos e cobras, no estádio cuja principal regra é não ter regra nenhuma. Tudo entre incontáveis excursões de idosos ocidentais montados em camelos com pompons coloridos, balançando para lá e para cá enquanto disparam suas câmeras sem parar.
Fiquei enfurnada nesse fuzuê por três dias, andando ao sabor da poeira, olhões ainda mais arregalados para absorver a overdose de informações. E olha, não precisou nem de bhang lassi para me sentir em outro planeta, viu.
Índia para mulheres
Publicado; 14/11/2013 Arquivado em: Índia 16 ComentáriosIa fazer esse post quando estivesse de saída, com a certeza de que tudo correu bem. Mas considerando a quantidade de meninas angustiadas me perguntado sobre o assunto, resolvi adiantar para ajudar no que der.
Quando vim para a Índia, estava tão alarmada com as notícias ruins envolvendo mulheres que até esqueci de ligar o filtro do bom senso para hard news. Porque né, nós jornalistas sabemos mais que ninguém como desgraça vende jornal e como nada é tão ruim quanto parece.
Resumindo, é claro que as mulheres vivem em situação de risco aqui. Mas, na minha opinião, essas violações acabam ganhando ainda mais repercussão porque, diferentemente do Brasil, a Índia não é um país violento. Aqui as pessoas não andam com medo de assalto, sequestro, assassinato. As pessoas não levam tiro à toa na rua. Por isso, acho que estupro aqui choca muito mais que estupro no Brasil. Aliás, estupro no Brasil nem é notícia mais (só se for seguido de morte, e olhe lá).
Pelo que estou percebendo, a situação das estrangeiras é até light: o tranco mesmo é com as mulheres indianas. Ao mesmo tempo que são cobradas como as filhas/irmãs/mulheres perfeitas, com dedicação intensa às famílias, também precisam enfrentar as agruras do mundo moderno. E ainda hoje são preteridas pelos homens da casa, que são o “investimento”, enquanto criar uma mulher é ”regar o jardim do vizinho”, como bem pontuou a jornalista Florência Costa no livro Os Indianos. Detalhe: elas também são assediadas, como muitas já me disseram, só que acabam ficando quietas por vergonha ou para não piorar a situação.

Meu look bisonho na Feira de Camelos de Pushkar, mas o importante é que funciona (tentei sem a echarpe no rosto, só com os óculos e o boné, e automaticamente quatro homens juntaram em volta).
Quanto a nós, estrangeiras, primeiramente temos que entender que os indianos adoram turistas, homens e mulheres. Então o principal assédio, na maioria das vezes, varia entre a simples curiosidade e o interesse de vender alguma coisa. Já o assédio mal intencionado pode ser minimizado com alguns cuidados simples, especialmente para quem está sozinha. Pelo menos comigo tem funcionado bem.
1) Você já é visada por vir de fora, mulher ou não, então seu principal objetivo é reduzir o foco de atenção. Use roupas de cores neutras, que deixem o corpo disforme e que não mostrem a pele. Preferencialmente, arremate com boné (com cabelo em coque para dentro), óculos de sol (para não repararem para onde você está olhando) e echarpe.
2) Em geral, a melhor forma de usar a echarpe é cobrindo o busto. Mas quando o lugar é mais complicado ou se já escureceu, uma ótima solução é cobrir o rosto todo, tipo uma balaclava. Fique tranquila, você não vai ser um ET, embora fique parecido com um – muitos se vestem assim para evitar inalação de poeira. E a invisibilidade é mágica e instantânea (também é o melhor remédio quando você não quer ser incomodada como turista).
3) Embora seja muito injusta com a grande maioria dos indianos de bem, criei uma regra prática: papo com desconhecidos só com famílias, casais, mulheres e crianças. Se precisar de informações e não encontrar ninguém desse grupo, vá até as autoridades e funcionários públicos, e em última instância, vendedores de estabelecimentos mais respeitados.
4) Procure sempre estar perto de pessoas do grupo acima, seja na rua, no trem ou no ônibus (vale pedir para o cobrador te vender uma passagem mais perto do motorista). Evite desbravar sozinha lugares ermos ou de evidente predominância masculina.
5) Se algum homem insistir em se aproximar emparelhando na rua, como muitos fazem, finja que não entende a língua e saia andando. Se for muito insistente, especialmente para fotos, apele para a aliança falsa: diga que não pode porque é casada, funciona na maioria das vezes. Se não der certo, ande em direção a um grupo ou a uma loja e erga o tom de voz. Em geral, esses caras são covardes e saem de fininho.
6) Faça reserva nos albergues/hoteis com antecedência de pelo menos uma cidade, e contrate o serviço que a maioria oferece de buscar no aeroporto ou nas estações de trem ou de ônibus (principalmente se estiver chegando à noite).
7) Mesmo que fique pouco tempo, considere fortemente a ideia de comprar um chip indiano com pacote de dados, que te dará acesso móvel ao abençoado Google Maps. A tranquilidade de saber o caminho certo sem precisar perguntar nem confiar totalmente nos taxistas vale infinitamente mais que R$ 32. Ah, e embora os vendedores digam que pode levar 48 horas para o chip funcionar, o meu pré-pago, da Vodafone, foi acionado minutos depois da compra, tudo bem rápido e prático. Só precisa levar cópia do passaporte, do visto e uma foto.
8) Ainda sobre mapas: estude todos os lugares e caminhos por onde você pretende passar antes de sair do hotel. Andar na rua com cara de perdida e com o mapa/guia aberto é uma ótima deixa para ser abordada por pessoas indesejadas.
9) Eles vão perguntar sempre (muitas vezes só por curiosidade mesmo), mas nunca diga a um estranho que está sozinha. Falar que seu marido/amigos estão te esperando no hotel é uma boa saída.
10) Você já não anda sozinha à noite no Brasil, certo? Aqui, o mesmo. Simples assim.
Índia para leigos
Publicado; 12/11/2013 Arquivado em: Índia 18 ComentáriosSe você gostaria de visitar o país motivado por fotos incríveis ou ideias pré-concebidas, reflita sobre as seguintes considerações. Só para garantir. Porque né, eles estão bem felizes aqui e é você quem está chegando, então só vale a pena se for bom para todo mundo.
Resumindo, considere a Índia como destino se você…
…gosta de gente. Muita, mas muita gente, passando de pequenas aglomerações ao caos completo esmagador de pessoas. Se você é do povo e está mais para pista do forrobodó que para rei do camarote, aqui é o seu lugar.
…não se incomoda com poluição de qualquer espécie (visual, sonora, olfativa) ou com condições duvidosas de higiene. Lixo por aqui é mato, cresce por todo lado. Se você acha que São Paulo é o seu limite, por favor, repense.
…não tem frescura. A não ser que você planeje meticulosamente uma (chata) viagem pela Índia dentro de uma bolha ocidental, vai cair em hotéis que clamam por reforma e faxina, ônibus e trens caindo aos pedaços, todo tipo de animal no meio da rua (porcos, vacas, cabras, cachorros, gatos, ratos, etc), banheiros turcos (aquele de agachar), banhos de balde. E por aí vai.
…passa batido com as necessidades fisiológicas alheias. Fazer xixi (às vezes cocô), arrotar, catarrar, cuspir e assoar o nariz no chão são eventos públicos por aqui. Não ali meio escondido não, é bem do seu lado mesmo.
…mantém a cuca fresca quando tentam te passar para trás. Acontece desde o preço inflacionado para turistas, que exige uma persistente barganha cotidiana, até níveis avançados de trapaça, com gente disposta a inventar todo tipo de mentira para tirar seu dinheiro.
…aceita a insignificância de ser pedestre em um trânsito alucinante. Se você é defensor ferrenho dos direitos dos mais frágeis no ecossistema das ruas, pode esquecer. Aqui pedestre é pior que vaca, pois elas pelo menos param o fluxo ao atravessar. Na Índia, coisa dificílima é achar uma calçada, a faixa de pedestres não funciona (e nem o sinal vermelho, às vezes). O jeito é se jogar na rua e seja o que Deus quiser, com uma sonora buzina sempre na orelha.
…topa jogar conforme as regras. Quer aproveitar os passeios para namorar bastante? Quer tirar as alcinhas decotadas e shortinhos do armário para variar o guarda-roupa de escritório? Desculpa, a Índia não serve. Inegável que as coisas estão mudando, mas enquanto isso, na minha modesta opinião, não cabe a quem é de fora enfiar uma cultura estranha goela abaixo. Lembrando que aqui os casais mal andam de mãos dadas.
…adora ser abordado por desconhecidos. Para tirar fotos, para comprar coisas, para falar inglês, para esmolas, para corridas de rickshaw… É impossível passar incólume a cinco minutos em uma rua indiana, senhor estrangeiro.
…não se deprime com a miséria, embora fique tocado por ela. Aqui a pobreza absoluta está por toda parte, lembrança dolorida (e necessária) de que não existe realização plena enquanto o mundo continuar assim.
Trem indiano
Publicado; 10/11/2013 Arquivado em: Índia 8 ComentáriosEm comemoração ao meu primeiro mês em solo indiano, um vídeo gravado no meu vagão nesta manhã (três horas de viagem).
Com carinho,
Débora
Fuga ao paraíso dos pássaros
Publicado; 09/11/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Bharatpur, Keoladeo Bird Sanctuary 6 ComentáriosJames, o fotografo sul-africano que buscava leopardos da neve no Ladakh, falou uma coisa que ficou marcada: quando você faz um safari pela primeira vez, é impossível parar. A sensação de estar com os animais soltos no habitat deles desperta um instinto primitivo que nos faz sentir automaticamente integrados naquilo, explicou.
Hoje eu entendi o que ele quis dizer. Embora esteja mais ligada em concentrações urbanas/humanas nesta viagem, achei que seria uma pena passar tão perto de Bharatpur e não conferir o famoso santuário de pássaros da cidade. O guia descreve o passeio como “um santuário que até não ornitólogos precisam ver” e lembra que muitos visitantes destacam o lugar como ponto alto da viagem à Índia.
E olha, é difícil imaginar que isso tudo está ali, bem na beira da confusão da cidade. A infraestrutura do parque é supreendentemente boa, e é possível alugar uma bicicleta por pouco menos de R$ 2 para passar seis horas explorando as redondezas. Por ter dispensado o guia e os binóculos, fiquei com medo de não ver os animais, mas isso é impossível: eles estão por toda parte.
A estrada principal que corta o santuário é asfaltada e plana. Logo nas primeiras pedaladas, me senti entrando naquele desenho animado Rio: pássaros de várias espécies, voando e cantando juntos, uma lindeza só. E depois antílopes, porcos selvagens, cobras, tartarugas de casca mole, mini-esquilos, lagartos, veados… Tudo ali na beirinha da estrada, em cenários alagadiços incríveis que lembram o nosso Pantanal.
Depois de hoje, zoológico nunca mais.
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p.s.1: o álbum já está no Flickr!
p.s.: para quem me conhece e achou estranha essa história de bicicleta, adianto que caí, mas só uma vez. Porque a espertona já sabe manejar bem, aí inventa de pegar a máquina do bolso com a bicicleta em movimento. Tá de parabéns.
Andança em tempo real
Publicado; 07/11/2013 Arquivado em: Pré-viagem 8 ComentáriosDesde que comecei a viagem, muita gente vem pedindo para eu abrir um mapa menos sem vergonha que aquele roteirão por países, indicando o percurso mais detalhado da mochilada.
A boa notícia é que achei como fazer isso. No site Go Pro Travelling, cada cidade inserida corresponde a um número, e basta dar o play no mapa para saber por onde passei (só não entendi porque o programa concebe viagens de longa distância a pé, mas não dá a opção de inserir quando o trajeto é por trem). A ordem das cidades e a data das viagens estão corretas, mas os percursos e os horários não.
A má notícia: minhas limitações tecnológicas não permitem inserir o mapa de forma permanente no blog, vulgo embedar. Então vou deixar o link do itinerário AQUI (guardem para a posteridade, pois vou atualizando sempre!), aguardando a ajuda de algum leitor sabido em info para me ajudar nessa.
p.s.: caso alguém conheça um programa melhor, sou toda ouvidos!