Meu primeiro encontro com o Dalai Lama
Publicado; 31/10/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Dalai Lama, Dharamsala 13 ComentáriosComo todo bom encontro, não foi planejado. A agenda oficial não apontava compromissos, nem indicava onde ele estaria nesta semana. Só quando cheguei a Dharamsala descobri que o governo tibetano em exílio sediava o evento de uma sociedade internacional de cientistas. E que o Dalai Lama era o principal convidado.
O tema do seminário – Compulsões, Desejos e Vícios – era ideal para aprofundar teses do budismo, filosofia que prega o domínio da mente como forma de encontrar Deus em nós mesmos. E foi ali que nos encontramos. Não um encontro propriamente dito, considerando que estávamos a poucos metros de distância, separados por prédios diferentes. Limitadíssimo a pesquisadores e monges, o seminário era retransmitido via telão para centenas de moradores e estrangeiros espalhados por colchonetes em um dos templos do QG tibetano.
O uso do termo His Holiness (Sua Santidade) chega a destoar da simples figura curva, sentada na mesa redonda sem distinção dos demais convidados. Envelopado até o queixo no manto carmim, o Dalai ouvia atentamente a palestra do dia. Balançava a cabeça quando concordava com algo, e vez ou outra pedia auxilio ao tradutor para não perder algum raciocínio importante. Percebi que a idade avançada pouco afetou a expressão dos olhinhos curiosos por trás dos óculos de grau.
O palestrante do dia era o renomado monge de origem francesa Matthieu Ricard, que eu já conhecia de outros carnavais. Ele falava sobre evitar pensamentos compulsivos com o treinamento persistente da mente, dia a dia, emoção a emoção. Está aí uma das coisas que mais gosto no budismo: não basta esperar dádivas do céu, enviadas por um Deus invisível e etéreo. Tudo tem que ser conquistado com esforço e determinação, a partir da autoanálise e da perfeita ciência do funcionamento da nossa mente, aqui e agora.
Em sua principal intervenção, o Dalai destacou que um bom antídoto para combater vícios e desejos é o altruísmo. Segundo ele, as compulsões são muito centradas no eu, e quando mudamos o foco para as necessidades alheias, esses pensamentos perdem força. Entre uma frase e outra, tiradas bem humoradas e sonoras gargalhadas faziam a plateia rir com o coração.
Entre as várias perguntas e respostas da mesa redonda, surge o assunto China. Considerando tudo o que vi e li nesses dias em Dharamsala, escuto incrédula o líder tibetano falando com carinho do país que está quase dizimando seu povo. “Temos que permanecer juntos, somos irmãos”, disse. E a compaixão pura jorrando da sua boca, se embrenhando em nossos corações embrutecidos pela ignorância sobre o sentido do verdadeiro amor incondicional.