Agora sim

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Eu e “Ma’frend”, alvo favorito das beijocas

Depois do fiasco no norte da Tailândia, prometi que tours guiados para vilas de minorias étnicas nunca mais. E foi justamente para suprir artificialmente esse lado que tirei uma tarde em Hanoi para conferir o Museu de Etnologia, dedicado às tribos do Vietnã. Mas o tiro saiu pela culatra. Concebido em parceria com a França, o museu é tão maravilhoso que deu ainda mais vontade de estar lá ao vivo.

E também teve a recomendação de um casal de holandeses que conheci semanas antes. Apesar de o circuito Sapa ser bem batido, disseram que existe uma ONG lá promovendo a feliz associação entre educação e turismo, argumento final para me decidir.

O tour começou com um enxame de mulheres hmonng e seus chapeuzinhos coloridos rondando o grupo ao som de “buy something”, “you some shopping”. Aparentemente as senhorinhas desconhecem negativas e nos seguiram por horas arrozal adentro. A dupla de professoras australianas não aguentou e compra bolsas. Eu abracei e beijei cada vez que as mãozinhas se estendiam na minha direção oferecendo algo. Assim continuamos amigas dividindo guarda sol e jogando conversa fora (o nível de inglês é incrível).

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A menina nos recebeu na casa onde iríamos passar a noite – os pais estavam na vila comprando o banquete que seria preparado no fogão a lenha mais tarde. Depois do chá, fui ver os porcos, visitei a casa onde vivem a família da irmã e a mãe da anfitriã, pulei cama elástica improvisada com as garotas da vizinhança em uma árvore seca no chão ao som de cantigas Vietnã-Brasil. Tomei vinho de arroz com as comadres (a garrafa sempre embaixo da mesa), e já explodindo de comida boa e de gargalhadas, fui levada a um banho tradicional com ervas medicinais em infusão. Essa noite dormi o melhor dos sonos, com barulho de mato passando pelas finas paredes da casa.

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Depois da pulação e da cantoria

No dia seguinte, no caminho entre novos arrozais entalhados nas montanhas, a guia contou que sua amiga sumiu há dois anos, provavelmente raptada para trabalhar como prostituta. As australianas fizeram o dever de casa e contaram que o mesmo destino espera outras meninas da região. Estar ali contribuindo com a educação delas passou a ter um novo sentido.

Com mais esse retalho do caleidoscópico Vietnã, me despedi rumo à China.

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Protagonista da guerra que levou seu nome, o Vietnã curiosamente é o país que menos lembra esse passado de privação e de sofrimento. A sensação é de que tudo já virou peça de museu, inclusive o líder máximo da vitória, Ho Chi Minh, que repousa embalsamado em um caixão de vidro aberto a visitação.

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p.s.; realmente são incríveis as cavernas do parque nacional de Phong Nha (lembra da deixa em Kong Lor, no Laos?), e a Baia de Halong merece o título de maravilha do mundo. Mas aqui o humano vale mais que o cênico, por isso Sapa.


Rapidinha do trânsito

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Vaza daí que a calçada é nossa, fia

O menino da loja de crepe, sobre o trânsito de Hanoi: “Atravessa sem olhar para os lados que dá tudo certo”.

As ruas da Ásia vivem em flerte com o caos, mas o Vietnã e seu exército de motos passaram da régua. Eu nunca vi tanto motorista ziguezagueando, cortando, triscando, e o interessante é que nada colide e tudo flui, meio ballet pós-moderno, sabe. Emoção é pegar carona com um mototaxista de Saigon e desacreditar que realmente há espaço para vocês naquele cruzamento.

Se pedestre, o problema não se resume a atravessar (imagina isso na herança colonial francesa de ruas largas ). Vai andar na calçada? Ah, não vai, porque calçada é o lugar de estacionar a moto. Vai andar espremido na sarjeta? Também não vai – se não é um carrinheiro de fruta encatracando por trás ou bicicleta topando na contramão, é o cara tirando a moto da calçada bem na hora que você está passando. Estilo Angry Birds: em que milisegundo devo sair para colidir com aquela ali?

Aqui a tese do “quem vem atrás é sempre o responsável” é mantra mais respeitado que letras miúdas de seguro. Ninguém olha antes de entrar na pista ou de ultrapassar, mas pasmei quando vi uma criança pequena disparar para pegar uma bola na rua inflamada e nada acontecer.

Repeti sem a bola e deu certo. Menino do crepe sábio.


Os vietnamitas

O Vietnã tem motivos de sobra para te trazer aqui, mas o que me deixou intrigada mesmo foram eles, os vietnamitas. Para ter uma ideia, precisei de um mês viajando de sul a norte para começar a pegar o jeitão deles e otimizar nossa interação, que hoje é uma das mais legais dessa viagem.

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Fazendo amigos em Hoi An

É claro que tem gente de todo tipo em todos os lugares, mas depois de nove meses na estrada, percebi que cada país tem uma média de comportamento. Mas não no Vietnã, porque aqui você nunca sabe o que vai ser. Conheci dos mais doces e amigáveis aos mais rabugentos e sacanas, uma relação que vai do encantamento ao estranhamento todo dia. E é aí que está a graça.

Cena 1

Saigon. Estava sozinha esparramada em um dormitório enorme para quatro pessoas. Ao voltar na terceira noite, a gerente toda preocupada pergunta se quero mudar para um quarto só meu. É que três homens chegaram e eu iria perder minha privacidade (situação mais que esperada para os pobretões da categoria quarto dividido). E quanto custaria o pequeno cuidado? Nada. Ela achava certo assim.

Cena 2

Hoi An. A graciosa jovem tinha oferecido cadeira de praia gratuita na sua barraca, mas depois disse que todos que não comeram teriam que pagar 5 reais extras. E o suco, que custava 3 reais, agora era 4,5 (o preço não constava no cardápio). Quando os indignados resolveram sair arcando só com o justo, os empregados grudaram nas bicicletas decididos a não deixar ninguém passar. Meia hora de confusão e gritaria depois, um local enfurecido ameaça jogar seu sapato no grupo – o que no budismo não é só uma agressão, como também uma das mais altas ofensas.

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Os vietnamitas são das personalidades mais autênticas do Sudeste Asiático e aparentam não dar a mínima para a opinião alheia. Sinto que muito dessa autoestima multiplicou quando botaram França e Estados Unidos para correr. Conhecer de perto a obstinação e o patriotismo desse povo, que chegou a morar anos em túneis como tática de guerra, trabalhando de noite nos arrozais para guerrear de dia, reciclando armas usadas enquanto choravam luto, explica muita coisa.

Pense em uma gente intensa, que fala alto, ri alto (mais que no Brasil, sim é possivel). Já levei uns tapões no braço de senhoras banguelas sorridentes no meio da rua e até hoje não entendi porquê. Esses dias começou uma gritaria no ônibus e os estrangeiros nos entreolhamos já esperando a briga, mas o que saiu mesmo foram sonoras gargalhadas. Outra tarde passeava com uma amiga no mercado e um grupo de vendedoras encasquetou com o “airbag“ da moça. Já acostumando com o modus operandi local, entramos na onda e acabamos em uma histeria  feminina coletiva, elas pegando nosso peito para comparar tamanhos e tudo.

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Dar banho de balde no cachorro na frente do seu comércio, por que não?

Geralmente, quando eles vão com a sua cara, não tem para ninguém. Eu, brasileira em época de Copa no país dos enlouquecidos por futebol, então… pff, dei muita sorte. Mas atenção: quer azedar um entrosamento que vai indo bem, só falar alguma coisa do contra (guarde a negativa para quando realmente precisar). Depois não diga que não avisei.


Nem vem

Quando eu digo Vietnã, que imagem te vem na cabeça? O tradicional chapéu-cone deslizando entre rios em bruma? Carpetes de bomba e cenas de Nascido para Matar? Pois olha, tem semanas que estou aqui e não paro de me surpreender com o país que vai com qualquer coisa, menos estereótipos.

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Ho Chi Minh City

As “duas“ capitais, Hanoi e Ho Chi Minh City, parecem não ter superado a divisão norte comunista/sul capitalista – e lá se vão 40 anos de unificação. A primeira é uma quase China, oriental kitsch dos pés à cabeça. Já a ex-Saigon foi rebatizada com o nome do líder vermelho para deixar de ser metida a ocidental, mas pelo jeito não funcionou muito não. E as irmãs adoram falar mal uma da outra, tipo Ruth e Raquel.

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Hanoi

No delta do Rio Mekong, o crash entre comunidades ribeirinhas e século 21 resultou em uma quantidade enorme de gente esparramada por todos os lados. Horas de ônibus entre uma cidade e outra e não vence a fila interminável de casas e lojas, muitas estacadas em cima da água.

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Can Tho

Dalat, com suas gordas bordas de jardins e estufas variadas, mostra que Vietnã rural e plantações de arroz nem sempre são sinônimos absolutos. E o que falta de charme na robótica praia de Nha Trang, completamente rendida à invasão de turistas russos, sobra na linda Hoi An, antigo centro portuário medieval. Menos de 50 quilômetros dalí e o Vietnã vira um Angkor B nas ruínas milenares de My Son, devastadas mais por bombas que pelo tempo. Ao norte fica Hue, última morada da última dinastia local, atropelada pela nova ordem mundial no pós-Segunda Guerra.

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Um dos imperadores de Hue, na época em que ser rei era legal

A então ultrabélica área central do país, batizada zona desmilitarizada (DMZ) por algum espirituoso, hoje ostenta orgulhosa seus túneis-esconderijos, campos de batalha e artigos de guerra em museus. Pelo oeste corre a trilha Ho Chi Minh, sequência de morros e montanhas que culmina com a maior caverna do mundo, Son Doong, no parque nacional de Phong Nha. Quem não tem 3 mil dólares para conhecê-la pode se refastelar com as outras cavernas e rios da região, das mais lindas do país.

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Túneis de Vinh Moc na antiga DMZ

No norte, a requisitada Baía de Halong e suas famosas formações rochosas cravadas no mar fazem jus ao fluxo intenso de turistas em cruzeiros sempre lotados. E já tem um tempo que a região de Sapa e seus terraços de arroz esculpidos nas montanhas deixaram de ser o remoto Vietnã reservado às minorias étnicas. Hoje é quase sinônimo de trekking e de homestay.

Resumindo, não me venham perguntar o que escolher em poucos dias por aqui. Não dá, não dá.

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p.s.: estava encafifada com o tanto de gente nesse Vietnã, povoadíssimo que eu nem imaginava. Fui pesquisar e deu isso: com uma área 25 vezes menor que a do Brasil, a população é só duas vezes menor que a nossa.

p.s.2: perdido no mapa? Confira minhas andanças em tempo real aqui!

p.s.3: já deu uma olhada no Flickr na coluna aqui do lado? Os álbuns estão tinindo de novos!


Esqueci

Ia colocar isso como um p.s. do post anterior para reforçar a loucura dos vietnamitas com a Copa, mas acabei esquecendo. Agora vale um aparte só para ele.

Fui jantar esses dias com uma menina local que está de rolo com meu colega de quarto. Ela se desculpou pela demora para chegar porque teve de vir a pé – a mãe dela não deixou usar a moto.

Mas por quê?
“Por causa da Copa.”
?
“Aqui as pessoas apostam tudo nos resultados dos jogos, e quem não tem dinheiro para pagar rouba as coisas que estão na rua”.

Desse nível.


Copa no Vietnã

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Ali só queria mesmo era andar sem derrubar alguém ou uma loja inteira. Em Binh Tay, mercado de atacado na Chinatown de Saigon, as mercadorias pulam em cascatas dos ganchos e das prateleiras, quando não empilhadas em torres tortas pelos corredores.

Passando pelo setor das roupas, um amarelo canarinho brilhou ao longe, covardia com essa viajante expatriada em tempos de Copa. Paguei 10 reais achando que era a camiseta, fui ver era o uniforme completo (e vou usar até calção azul se esse negócio for para frente, ah vou). Fiquei ansiosa, vesti a camisa ali mesmo. Um novo Vietnã apareceu.

Não que as pessoas já não fossem simpáticas, elas geralmente são. Mas agora mexem comigo na rua o tempo inteiro. De quase incompreensíveis Braxin Braxin dos vendedores na calçada a gritos de I LOVE BRAXIIIIIIN do ciclista que passa voando pela rua.

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Eles só pensam… naquilo

Pedem para tirar foto, mas não se conformam com o fato de eu estar aqui e a Copa aí. Esses dias levei o maior sabão de um mototaxista. “Se eu tivesse qualquer dinheiro na vida iria para o Brasil ver a Copa, e você tem a Copa na sua casa e está fazendo o que aqui?”. Glup.

Eles acham que somos demais, os melhores do mundo, esperam realmente que a gente ganhe. Até onde reparei, os vietnamitas não vestem outra camiseta de seleção que não a nossa.

O país que nunca jogou uma Copa na vida ama futebol e está enlouquecido como se estivesse representado aí. Os bares exibem os jogos de madrugada. Lojas, hotéis e restaurantes aumentam sua carga kitsch com chamativas tabelas pregadas com durex nas paredes, cuidadosamente atualizadas com os resultados de cada jogo. O guia do passeio não teve a mínima vergonha de admitir que passou o dia inteiro com sono porque ficou assistindo futebol até tarde.

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A camisa amarela lavo toda noite e uso no dia seguinte, até acabar. E assim está sendo minha Copa longe da Copa das Copas.


Quiz do domingão

Hoje teve mais um daqueles eternos debates sobre a situação socioeconômica dos países do mochilão. Depois de reiterar que o Brasil não está tão distante dessas realidades, veio o desafio: “Então veja lá o IDH”.

A fórmula de cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano, usado pela Organização das Nações Unidas desde a década de 1990,  não é unânime entre estudiosos. Mas não deixa de ser uma régua para os 186 países analisados – e adoramos uma lista, vai.

Divido o quiz com vocês para embalar esse domingão preguiçoso de sol escaldante. Façam suas apostas (respostas depois do mapa).

Destinos, pela ordem: Índia, Sri Lanka, Maldivas, Nepal, Butão, Tailândia, Mianmar, Laos, Camboja, Vietnã, Malásia, Cingapura, Indonésia, Filipinas, China, Mongólia.

(Reprodução IDH 2012 UOL)

(Reprodução IDH 2012 UOL)

Posição dos países no ranking: 13º Hong Kong (China); 18º Cingapura; 64º Malásia; 85º Brasil; 92º Sri Lanka; 101º China; 103º Tailândia; 104º Maldivas; 108º Mongólia; 114º Filipinas; 121º Indonésia; 127º Vietnã; 136º Índia; 138º Laos e Camboja; 140º Butão; 149º Mianmar; 157º Nepal.


Sudeste Asiático express

Hoje não vou falar de ir para o outro lado do mundo, e sim de aproveitar quando o outro lado do mundo vem até nós. Porque nem sempre é preciso colocar uma mochila nas costas e torrar um dinheirão para conhecer um pouco mais de culturas tão incríveis.

Muitos críticos consideram a cozinha vietnamita a melhor do mundo. (Goodmami / Creative Commons)

Muitos críticos consideram a cozinha vietnamita a melhor do mundo. (Goodmami / Creative Commons)

No próximo dia 14 de setembro (sábado), sete dos 10 países que formam a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean, na sigla em inglês) vão fazer um festival gastronômico e cultural em Brasília em comemoração ao 46º aniversário da entidade. As portas da Embaixada das Filipinas estarão abertas entre 11h e 15h30 para apresentações culturais, jogos e comidas típicas, com entrada gratuita.

Todos os sete países que participam do evento estão na minha rota de viagem: Cingapura, Indonésia, Malásia, Mianmar, Filipinas, Tailândia e Vietnã.  Mesmo antes de chegar lá, posso dizer que as pessoas com quem já tive contato são das mais hospitaleiras e simpáticas (e a comida do Sudeste Asiático, bom, é um capítulo a parte de boas surpresas).

A Asean foi criada em 1967 com o objetivo de acelerar o crescimento econômico dos países membros e para promover paz, estabilidade e colaboração em diversas áreas. Atualmente, além dos sete países já citados, também é formada por Brunei, Laos e Camboja, que não vão participar da festança porque não têm representação diplomática em Brasília.

A Embaixada das Filipinas fica no Setor de Embaixadas Norte, Lote 1 (perto do Iate Clube).