Tempero na veia
Publicado; 17/10/2013 Arquivado em: Índia 24 ComentáriosAtendendo a pedidos, vou falar o pouco que sei (e experimentei) da cozinha veramente indiana nesta semana.
Muitos aqui são vegetarianos, então a maioria dos lugares só oferece isso mesmo. Na categoria dos itens não vegetarianos mais comuns, estão ovo, frango e cordeiro. O leite é permitido a todos. Segundo me explicaram, o ovo é não vegetariano porque poderia virar um pintinho, então comê-lo significa interromper uma vida prematuramente.
Aqui é o lugar perfeito para investir no vegetarianismo, coisa que tentava fazer há séculos no Brasil sem muito sucesso. Tem muita variedade de vegetais, cereais, massas e derivados de leite – e muita variedade no preparo também. Carne de vaca ainda não encontrei. O fato de o animal ser sagrado no hinduísmo acaba criando um tabu sobre o assunto, mesmo para quem não segue a religião.
Como só visitei duas regiões, fica difícil fazer um panorama completo da culinária local, mas algumas coisas já são bem características. Primeiro, o reino completo dos temperos: vermelho, amarelo, verde, iogurte, molhos doces, etc (às vezes vem tudo misturado). Os pratos são uma overdose de cor, cheiro e sabor. Mesmo quando você pede alguma coisa ‘no spicy’, pode ter certeza que vai vir aquele curry básico. Acho que eles estão tão acostumados que o paladar já não identifica a força do tempero, que é servido normalmente no café da manhã com omeletes e batatas, por exemplo.
O pessoal aqui também gosta muito de fritura e tudo bem açucarado e colorido nos doces. Uma coisa que amo e tomo toda hora é o famoso chai (chá com leite e especiarias, para os não iniciados) que é maravilhoso sempre.
Entre as coisas parecidas com o Brasil estão o chicken tandoori (frango assado) e o rice/dal, que são o arroz com feijão (às vezes lentilha). O popular paneer é tipo um queijo minas, e também é fácil achar springrolls (rolinhos primavera) e o momo, um bolinho cozido recheado com vegetais que parece muito o guiozá japonês.
A boa notícia é que já estou aqui há uma semana e não passei mal – na verdade estou adorando tudo. Minha estratégia é comer em lugares recomendados pelos donos dos albergues e taxistas ou tentar achar algum lugar mais arrumado. Se nada funcionar na hora da fome, sempre levo bolachas, chocolates e snacks na mochila. Para não esquecer que estou na Índia mesmo no improviso, até a batata frita de saquinho que estamos acostumados no Brasil é sabor masala, daquela de escorrer uma lágrima do olho de tão temperada.
Ladakh e o novo choque
Publicado; 16/10/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Ladakh, Leh, Low Season 5 ComentáriosA chegada ao Ladakh foi peculiar.
Saí de Delhi no meio da madrugada, sem dormir. Depois de uma hora e meia de voo e um pouso de tirar o fôlego tirando fino das montanhas, estava em Leh, a capital da região. Ainda meio zonza de sono, o choque começou pelo aspecto térmico: de 35 para 3 graus. A língua já não era o hindi, e sim o ladakhi. A relegião não era a hindu, e sim a budista. Os locais parecem mais chineses que indianos (a cidade fica perto da fronteira com a China), embora tenha muitos indianos aqui. Não é a toa que esse local é conhecido como o pequeno Tibete.
A região é uma das mais remotas da Índia, e a beleza das montanhas que circundam o Ladakh é indiscutível. A cidade é bem pequena, e agora começou a baixa temporada. Eu imaginava que haveria mais turistas antes de o inverno começar para valer, mas muitos lugares (lojas, hotéis, cafés) já estão fechados e só voltam a abrir em maio. O clima de cidade meio deserta é o total oposto da loucura frenética de Delhi.
Por causa da altura de 3,5 mil metros, todos recomendam descanso nos primeiros dias para evitar a famosa síndrome da altitude, mas a dor de cabeça e o cansaço com apenas alguns passos pela cidade são inevitáveis. A maximização do isolamento com o corte de energia, internet e telefone a toda hora é inevitável também.
Hoje é dia de procurar uma agência de viagem para empreender um passeio pela região, pois as belezas naturais são o maior atrativo do Ladakh. Até!
Festa à indiana
Publicado; 13/10/2013 Arquivado em: Índia 9 Comentários
O mercado de especiarias fechou mais cedo, e o vendedor se desculpou avisando que hoje era dia de festa.
O Dussehra é um festival que acontece em todo o país, dedicado à vitória do bem sobre o mal. A simbologia vem do Ramayana, poema épico que os indianos adoram. Ele conta a história do príncipe Rama, tão vivo no imaginário popular que muitos acreditam que ele realmente existiu. Em um dos episódios, ele mata a flechadas o deus-demônio Ravan, que havia raptado sua mulher Sita.
A velha Delhi estava de encher os olhos. Por toda parte, luzes nos prédios, altares hindus improvisados e fogos de artifício. Nas cercanias do Forte Vermelho, uma grande estrutura de lazer, com barracas de comidas típicas e parque de diversões à indiana. Ali só atrações incríveis, como sala de espelhos que deformam o corpo e tenda de dançarinas para seduzir os transeuntes, amontoados na porta com celular em riste tentando filmar pela brecha na lona.
Em outra parte, a multidão conferia a peça com mais uma vitória de Rama. Um famoso ator bollywoodiano interpreta o príncipe, esquema meio Círio de Nazaré.
O clímax vem com a queima de enormes bonecos do vilão, um a um, em uma fogueira gigante acionada por vários efeitos especiais (bem perto da fiação elétrica). Um empurra empurra começa. Alguém se machucou? Rostos felizes passam comprimidos como uma onda – era só brincadeira de festival.
Minha Delhi e as cabras
Publicado; 12/10/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Chandni Chowk, Goats Market, Jama Masjid, Old Delhi 14 ComentáriosFinalmente conheci Delhi (aquela Delhi). Ela estava na antiga parte da cidade, que já passou por tudo: construções, conquistas, saques, reconstruções. Hoje é mais ou menos assim, segundo o primeiro vídeo da Mundolândia’s Production:
Delhi tem duas partes bem definidas. A nova é onde eu estava ontem: avenidas largas, limpas, espaçosas e arborizadas, tudo mais fancy, segundo os locais. Já a antiga é aquela avalanche de tudo: gente, cheiros, animais, comércio, carros/rickshaws/motos. O único link que encontrei entre as duas foi a buzina – aqui, um estilo de vida.
Já era fim de tarde. Eu estava ensopada porque usava casaco + xale sob um sol escaldante para tentar não chamar atenção. Comi pouco no almoço para fugir da pimenta e do exótico e acabei faminta. Absorvia lentamente o calor e o excesso de informações, juntando energias para me manter alerta (o preço justo por estar sozinha).
Naquela hora, tinha acabado de visitar um dos minaretes da maior mesquita da Índia, degrau por degrau. Saí calçando as botas meio zonza, ouvindo as primeiras rezas no alto falante, quando percebi que caí em uma enorme feira de cabras que cercou o templo.
Debaixo de centenas de tendas abafadas em forma de labirinto, eram milhares de cabras espalhadas por todas as partes. Donos suados de cabras, cheiro de cabras, berro de cabras, chifres de cabras. Cabras apanhando de vara para mostrar que estavam saudáveis. Eu tropeçando nas cabras. A bota afundando no barro, no feno e nas necessidades das cabras.
O final apoteótico de um dia inesquecível com a velha Delhi.
p.s.: vacas, cadê vocês?
Lodilover
Publicado; 11/10/2013 Arquivado em: Índia 26 ComentáriosEu poderia falar que o mochilão começou com uma chuva torrencial depois de uma seca duradoura em Delhi.
Eu poderia falar do papo nonsense que tive com uma indiana que achava que eu entendia hindi (mesmo depois de cinco minutos de conversa).
Eu poderia falar que rickshaw é sensacionaw.
Eu poderia falar da cara de espanto do garçom quando eu falei que o “no spicy” deles estava muito spicy.
Mas vou falar mesmo é do Lodi Gardens. Não apresento os pormenores porque para isso tem o Google, mas vou tentar descrever o que foi a visão mais próxima do paraíso que já tive.
Cheguei no final da tarde, e a chuva que já havia parado filtrou o ar e deu uma nova cor ao verde, deixando as paisagens com um tom surreal. Periquitos e pardais e gralhas cantavam alto e salpicavam o céu com revoadas chamativas. Os prédios em ruínas de antigos templos e tumbas de tom ocre refletiam o laranja dourado dos últimos raios do dia.
E me pareceu o lugar mais romântico de Delhi. O único onde vi casais de mãos dadas arriscando um beijo tímido no por do sol.
Delhaulo
Publicado; 10/10/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Delhi, São Paulo 14 ComentáriosEscolhi chegar pela Índia atrás do tal choque cultural instantâneo. Mas olha, que essa Delhi me saiu uma bela de uma São Paulo à primeira vista. Tudo bem que desembarquei às 23h e esse juízo é limitado, mas me senti em casa. Aos fatos:
– trânsito de respeito mesmo à noite: check (aqui mais buzina)
– ruas e viadutos saindo do aeroporto: tipo chegar por Guarulhos
– poluição do ar que coça o olho e cheiro de Tietê: check
A principal diferença que se apresentou até agora também não é novidade. O forno é do mesmo fabricante de Manaus/Belém, sem dúvida alguma.
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p.s. para mulheres do mochilão solitário: recomendo o serviço de buscar no aeroporto oferecido por vários hostels, especialmente para quem chega à noite. Tranquilidade tem preço e custa 800 rúpias (aprox. 32 reais).
Quiz do domingão
Publicado; 22/09/2013 Arquivado em: Índia, Camboja, China, Cingapura, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Maldivas, Mianmar, Mongólia, Nepal, Pré-viagem, Sri Lanka, Tailândia, Vietnã | Tags: Ásia, Desenvolvimento, IDH, ONU Deixe um comentárioHoje teve mais um daqueles eternos debates sobre a situação socioeconômica dos países do mochilão. Depois de reiterar que o Brasil não está tão distante dessas realidades, veio o desafio: “Então veja lá o IDH”.
A fórmula de cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano, usado pela Organização das Nações Unidas desde a década de 1990, não é unânime entre estudiosos. Mas não deixa de ser uma régua para os 186 países analisados – e adoramos uma lista, vai.
Divido o quiz com vocês para embalar esse domingão preguiçoso de sol escaldante. Façam suas apostas (respostas depois do mapa).
Destinos, pela ordem: Índia, Sri Lanka, Maldivas, Nepal, Butão, Tailândia, Mianmar, Laos, Camboja, Vietnã, Malásia, Cingapura, Indonésia, Filipinas, China, Mongólia.
Posição dos países no ranking: 13º Hong Kong (China); 18º Cingapura; 64º Malásia; 85º Brasil; 92º Sri Lanka; 101º China; 103º Tailândia; 104º Maldivas; 108º Mongólia; 114º Filipinas; 121º Indonésia; 127º Vietnã; 136º Índia; 138º Laos e Camboja; 140º Butão; 149º Mianmar; 157º Nepal.
Teoria da relatividade revisitada
Publicado; 20/09/2013 Arquivado em: Índia, Pré-viagem | Tags: Bikaner, Karni Mata, Rats Temple 4 ComentáriosDá para relativizar o conceito de privacidade e dividir quarto com dezenas de pessoas.
Dá para relativizar o conceito de higiene e tomar banho com lencinhos umidecidos.
Dá para relativizar o conceito de liberdade e se esconder no hotel antes de escurecer.
Agora não dá. Para relativizar. O conceito de um templo. Com MILHARES de ratos.
Karni Mata, fica para a próxima.
Amo voar, gente
Publicado; 17/09/2013 Arquivado em: Índia, Pré-viagem | Tags: Ladakh, Leh, Manali, Planejamento de viagem 8 ComentáriosFalei aqui esses dias que queria viajar por terra e ironizei os aeroportos, né? Pois bem, que o castigo veio a jato.
Minha jornada pela Índia começa na região dos Himalaias. Depois de alguns dias em Delhi, vou para o extremo norte do país em direção a Leh, capital da região do Ladakh, que dizem ser o Tibet indiano. Tinha ouvido falar de uma estrada de tirar o fôlego que chega até lá saindo de Manali, uma estação turística pop no norte da Índia. Estrada cênica? Opa, aqui mesmo!
Pesquisa vai, pesquisa vem, descubro que o título de estrada superlinda vem associado ao de superperigosa. Na verdade, ela passa a maior parte do ano fechada por causa do mau tempo (que começa justamente em outubro). Além disso, é uma minhoquinha estreita que vai cortando montanhas altíssimas, e se algum carro quebra ou tem acidente, bom, meu amigo, esteja pronto para acampar na estrada e perder dois dias de viagem.
Você pode perguntar: ué, cadê o espírito aventureiro? Minha parca experiência indica que só os perrengues totalmente imprevisíveis estão de ótimo tamanho para a coleção. Já fiquei presa em uma vilinha do interior do Peru por causa de estrada ruim, e depois de uma tentativa frustrada de chegar a Machu Picchu e de quase rolar Andes abaixo com um desabamento, só digo que beijei o chão de Cuzco quando consegui voltar sã e salva.
Abro o Skyscanner e vejo que tem um vôo de hora e pouco entre Delhi e Leh. Aeroporto lindo, também te amo, esquece tudo aquilo lá <3
Por que outubro?
Publicado; 12/09/2013 Arquivado em: Índia, Pré-viagem | Tags: Brahma, Diwali, Dussehra, Festivais da Índia, Holi, Monções, Pushkar Fair Deixe um comentárioNinguém entendeu muito quando marquei o começo da epopeia para outubro, um mês normal para nós brasileiros. Mas como tudo na viagem, isso também tinha sua razão de ser.
Primeiro veio o clima. A melhor época para visitar a Índia, nosso ponto de partida, é entre outubro e janeiro. É um período mais fresco que chega logo após as monções, fenômeno que conhecemos bem pela televisão. As chuvas caem forte entre junho e setembro, deixando rastros de inundações e caos em várias partes do país. Também percebi ser prudente evitar a época entre março e maio, quando não é raro os termômetros marcarem 45 graus (sorry, Rio).
O segundo quesito foi cultural. Claro que a Índia tem festivais o ano inteiro, mas percebi que havia uma concentração interessante nesse período. Logo na minha chegada a Delhi, em meados de outubro, tem o Dussehra. Essa festa é super popular e ganha nomes diferentes em outras partes do país. Resumidamente, os indianos comemoram a vitória do bem sobre o mal.
No começo de novembro tem o Diwali, o Festival das Luzes. Mais uma vez, as divindades são o foco das comemorações, turbinadas com fogos de artifício, procissões e iluminação especial nos prédios tradicionais.
Saindo do campo religioso, em meados de novembro tem a Feira de Pushkar. Se na maior parte do ano essa pequena cidade do Rajastão atrai fieis para visitar um dos raros templos dedicados ao deus Brahma, na época da feira ela atrai milhares de comerciantes interessados em negociar camelos e gado, algo que lembra remotamente nossas feiras agropecuárias. Só adiciona aí umas toneladas de exotismo.
Infelizmente, o Holi vai ter que ficar para a próxima. Espécie de Carmaval dos indianos, o Festival das Cores acontece em março celebrando a chegada da primavera. Sempre foi um dos meus preferidos pelas imagens lindas que chegam de lá, com o povo na rua coberto de pó colorido e de tinta dos pés à cabeça. O festival se popularizou tanto pelo mundo que já soube de pelo menos duas versões em São Paulo apenas neste ano.
Como não amar esse país festeiro?











