Senta

20140521-175752.jpg

Esses dias mencionei aqui como a história recente do Laos vem mexendo comigo. Hoje é dia de falar mais disso.

A Segunda Guerra Mundial terminou em 1945 com dois caroços entalados na goela: a Guerra Fria e o futuro das colônias tardias na África e na Ásia. Com pouco mais de 1 milhão de habitantes na época, grande parte iletrados ocupando a área rural, quis o destino que o Laos sofresse os efeitos das duas coisas, seguida e interligadamente. Resultado: 30 anos extras de crueldades e de chagas sociais que custam a curar.

Fracassados os esforços para tentar segurar a colônia, a França desocupou o Laos em 1953, não sem antes deixar um rastro de sangue. Longe de selar a paz, o evento abriu portas para um futuro ainda pior. O poder monárquico instalado encontrou resistência de comunistas influenciados pelos vizinhos Vietnã e China. Foi o suficiente para atrair a atenção e a antipatia dos Estados Unidos, então obcecados contra a expansão vermelha na Ásia. Com o respaldo do governo local, os EUA viraram sua artilharia para as áreas montanhosas ao leste do Laos. Tinham até sua própria base aérea escondia por lá, de onde saiam missões a cada oito minutos nos períodos mais movimentados.

Mas enquanto a Guerra do Vietnã comia solta na televisão, no supostamente neutro Laos tudo era segredo (devidamente encoberto pelos simpatizantes do status quo). Segundo consta, o país tornou-se o mais bombardeado per capita do mundo entre as décadas de 1960 e 1970.

20140521-180143.jpg

O fracasso americano no Vietnã desencadeou a suposta paz civil no Laos logo em seguida. Os comunistas declararam a revolução em 1975 e permanecem até hoje no poder. A guerra acabou, mas o ritmo rural do Laos, onde o tempo corre em outro passo, trouxe mudanças pouco expressivas nos últimos 40 anos.

Exposições e documentários lembram que explosivos hibernantes ainda matam e aleijam, alguns casos por acidente, outros porque miseráveis procuram metal para vender a preço de ouro. O banco da pousada, a cerca do restaurante, o barco, são cascas de bombas adaptadas. A moda local tem fortes referências militares (demorou até entender que aqueles camuflados na rua eram civis). O prazer de explorar a deslumbrante natureza vira certa apreensão quando uma equipe anti-bomba aparece para limpar a área. Dá um nó na garganta ver enormes buracos redondos enfiados entre campos verdejantes e imaginar como aquilo foi parar ali. Se tinha alguma casa, se alguém morreu. Se o cenário parecia com os desenhos hoje expostos no museu, cheios de tinta vermelha e de cabeças degoladas.

20140521-180446.jpg

As pessoas do Laos são amigáveis, mas carregam um quê de sofrimento e de cansaço ainda fresco. Um rapaz me conta que seu pai escolheu o lado errado e lutou com os Estados Unidos na época. Pergunto se é verdade o que vi em um documentário – que o governo persegue e mata esses clãs até hoje como retaliação. Ele dá um sorriso amarelo, faz que não com a cabeça e desconversa, mas os campos de refugiados na Tailândia aparentemente dizem o contrário.

Em outro documentário, uma senhora contava aos prantos que os habitantes do Laos foram massacrados por um inimigo que sequer conheciam, nem antes nem durante o conflito, quando só choviam bombas do céu. Outro dia fiquei confusa ao ver um senhor usando boné com a bandeira dos Estados Unidos.

20140521-180827.jpg

Autodeclarado o mais pobre do Sudeste Asiático, hoje o país recebe ajuda financeira de várias potências econômicas e organizações, com parcerias amplamente divulgadas em placas e cartazes.

Escaldada com as maldades do mundo, me pergunto se é caso de devida culpa passada ou de escusos objetivos futuros. O povo do Laos não merece mais sofrimento.

20140521-175958.jpg


4 Comentários on “Senta”

  1. Marília disse:

    Nossa, muito triste. Confesso que também sabia pouco ou quase nada sobre o passado desse ligar tão lindo e manchado de sangue. Obrigada por nos trazer todas essas impressões pessoais e informações históricas. Bjo bizzie linda!!!

  2. Aline disse:

    Muito triste essas histórias! confesso que não sou muito ligada ( e nem gosto) mas sei que é importante saber tudo isso.. até pq o passado se faz presente! ( é a velha frase: não gosto de história, coisa antiga! rs) acho que é o jeito de contar ( e isso vc faz muito bem! amo!!! Beijão, Débora!! tenho aprendido muito por aqui.

    • deborazampier disse:

      Verdade Aline, história pode parecer um pouco chata no livro, mas ter a chance de ver o efeito de coisas passadas ao vivo no presente faz tudo ter mais sentido. Espero ter conseguido passar um pouco para vocês! Bj


Comentários aqui!

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s