Compêndio – Transporte no Laos
Publicado; 19/05/2014 Arquivado em: Laos 9 ComentáriosCena 1
Meu primeiro ônibus no país. O tíquete comprado na agência em Luang Prabang ia até Phongsali, no extremo norte. Cerca de 14 horas de viagem sem troca de ônibus, saindo da rodoviária às 16h30, disse a moça. “Nossa, nem sei porque tanta gente reclama do transporte aqui, tudo tão fácil!”. Ela riu.
Passam 17h30, 18h30, 19h30, leio livro, jogo Candy Crush, nada. Perto de fechar a bilheteria, o tiqueteiro coça a cabeça e sugere que eu me junte aos locais na mesma situação, pegando ônibus até Oudomxay, no meio do caminho.
– E ninguém sabe onde está o ônibus atrasado? O motorista não tem celular?
– (faz não com a cabeça)
– Mas que hora esse outro ônibus chega em Oudomxay?
– (faz 2 com a mão e mímica de dormir)
– E que horas sai o próximo ônibus de lá até Phongsali?
– (faz 9 com a mão)
– Ah.
Já vou passar a noite em uma rodoviária desconhecida no interior do Laos, sou a única ocidental, e ainda percebo um valor menor na devolução do dinheiro. Parece que uma parte ficou com a agente de turismo sorridente.
Às 2h30, saltamos na tarantinesca rodoviária de Oudomxay. Quando afofava a tralha para dormir em cima, uma buzina reverberou ao longe. Era o suposto ônibus direto das 16h30 passando à toda (mas isso só soube depois). Num salto, fiz como os locais e disparei gritando na rodovia escura, já sem saber se o mais trambolho era eu ou a mochila. Cheguei em Phongsali na tarde seguinte, 8 horas depois do previsto. Mas deu tudo certo.
Cena 2
O objetivo era pegar um ônibus em Phongsali e chegar ao porto fluvial de Hat Sa. “O que pode dar errado em 21 quilômetros?”, pensei. Juntamente com outros moradores locais, quatro turistas aguardávamos o dito ônibus desde às 7h15. Era para sair às 8h, mas já passava das 9h15. De repente a rodoviária esvazia, o guichê de tíquetes fecha, e quando nos damos conta, sobramos os quatro forasteiros na festa segurando a vassoura. Tentamos parar o tiqueteiro, que saía de fininho com toalha de banho e escova de dentes na mão.
– Mas o que está acontecendo?
– (faz não com a cabeça, aponta para a rodoviária)
– Não vai ter ônibus? Pode ter ônibus mas você não sabe?
– (confuso, abre caminho na nossa barricada e continua andando).
A chinesa do grupo consegue parar uma caminhonete que passava pela estrada, felizmente dirigida por chineses (eles estão construindo uma hidrelétrica na região). Segundos depois, descolamos carona na carroceria. Chacoalhamos uma hora na lama, que ficou toda na cara e na roupa. Do suposto ônibus nunca tivemos notícia. Mas deu tudo certo.
Cena 3
Disse o livro que sair de Sam Neua, no leste do Laos. e chegar à cidade turística de Vieng Xai, a 30 quilômetros dali, é moleza. Consta que tem transporte público às 10h, 11h e 13h. Cheguei na rodoviária às 9h50. “Why are you so late?”, disse o tiqueteiro, mal disfarçando a graça com a minha desgraça. O único ônibus do dia havia saído há cinco minutos.
– Mas não é possível, o livro falava todos esses horários!!!…
– As coisas mudam toda hora no Laos.
– Ah.
Comecei um cabo de guerra com um dos motoristas de tuk tuk que estava na animada jogatina regada a laolao (a cachaça daqui). Usando o sádico tiqueteiro de intérprete e minha melhor cara de gato de botas, consegui uns 30% de desconto. Ainda assim, fui surrupiada em mais de 22 vezes o preço da corrida normal. Mas deu tudo certo.
Cena 4
Não consigo dirigir moto. Logo, decidi fazer 30 quilômetros de Phonsavan até a antiga capital provincial de Muang Khoun de bicicleta.
– Mas só se tiver como voltar de transporte coletivo com a bicicleta no teto, moço. Tem jeito? Já fiz isso na Tailândia…
– Sim, pode ir tranquila, fazem isso sim, garantiu o oficial de turismo.
Na pior das hipóteses, sabia que podia apelar para um tuk tuk privado como da outra vez narrada na história acima. Até porque o surrupiamento do Laos é muito melhor que o melhor dos descontos no Brasil.
Chegando em Muang Khoun, nada de transporte, público nem privado. Começo o caminho de volta à toda correndo da noite e da tempestade que se aproximavam. Dez quilômetros depois, já entrevada pelo conjunto da obra, apelei para uma família que descarregava sacos na beira da estrada. Vim segurando a bicicleta rodeada de relâmpagos e de sacolas de broto de bambu. Mas deu tudo certo.