Balada indiana, mas não
Publicado; 15/12/2013 Arquivado em: Índia 2 ComentáriosPara quem achava que este blog estava sacro demais, finalmente algo profano sobre a Índia. Ou sobre Goa, a não India. Trata-se do primeiro escape depois de dois meses de peregrinação introspectiva, em uma madrugada notória com os russos. Sim, os russos.
Em algum tempo indeterminado nas últimas décadas eles descobriram a Bahia indiana e hoje mandam por aqui, acelerando suas scooters para cima e para baixo com os cabelos loiros platinados ao vento. Se esparramam pela areia em trajes mínimos – às vezes nenhum traje, o que pouco importa desde que contiuem jorrando rublos. Aqui todos os comerciantes e ambulantes falam russo, e os cardápios estão em russo. A balada, dos russos também.
Não sabia dessa última parte até chegar lá, o paraíso dos fanfarrões do norte. Mulheres não pagavam e podiam beber de graça a noite toda, homens o mesmo desembolsando 32 reais.
Enfileirados na estradinha para o incrível casarão a céu aberto emanando laser e música eletrônica, carros ansiosos se amontoavam. Enfileirados no bar, homens berravam a língua já enrolada por natureza, virando copo atrás de copo, os gestos desmedidos derrubando álcool por toda parte.
Mulheres frenéticas na pista exibiam vestidos colados, ressaltando o bronzeado recém adquirido. Logo menos, homens de cueca pulavam na piscina, seguidos pelas australianas, que definitivamente não ficam atrás. Como diria o inglês que tentava seguir o ritmo, “they are party monsters”.
O clima festivo a la Rússia atropelou os poucos indianos que encontrei, muito embora eles mesmos, provavelmente, estejam perdidos por ali até agora. Um casal local virando os olhos tentava se manter de pé. Outros, maravilhados com o flash de liberdade sem freios, tentavam a sorte com russas cambaleantes no fim da festa.
Isso também é a Índia, afinal.
Mumbai, a cidade
Publicado; 11/12/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Mumbai 4 ComentáriosMumbai surgiu como uma bomba de bafo úmido quando eu ainda estava meio sonolenta, depois de um voo de madrugada vindo de Calcutá. O trânsito héctico e o forte cheiro de peixe revolveram os sentidos. Não acreditei quando vi a espelunca onde iria me hospedar, perto do porto e da vila de pescadores, o lugar mais caro até aqui.
Mas a cidade não tem culpa dos meus padrões desajustados com o seu jeitão, diferente de tudo que vivi nesses dois meses. Capital financeira da Índia, é uma mistura de Salvador com Rio de Janeiro, mas sem a violência. Invejei os mumbaikars ao descobrir que sábado a noite é dia de levar a família ou a namorada para passear nas praias e na orla, sem o risco de levar um tiro na cara.
O tour pela favela instalada no coração da cidade não explora a miséria, mas fala com orgulho sobre os moradores que produzem milhões com reciclagem de lixo, manufatura de produtos em couro e artesanato com barro.
O guia explica rindo que, todos os dias, entre seis e oito pessoas se acidentam ao cair do trem suburbano superlotado. “Mas as autoridades não fazem nada?”, “Sim, eles param o trem”. A poucos quilômetros, uma loja instalada entre dois terrenos de lixo vende roupas de R$ 3 mil para jovens indianas modernetes empunhando Iphones e cigarros.
Mumbai é a única cidade da Índia onde o taxímetro funciona, onde encontrei duas mulheres locais bebendo cerveja em um bar, e outras duas no trem trajando shortinhos jeans. Mas não se engane, porque praia é lugar de ficar de roupa comprida sob um sol escaldante, e onde o mar é mero coadjuvante para um domingo feliz entre amigos e família farofando na areia.
O jornal avisa sobre o risco de atentado a bomba em lugares movimentados e sobre a apresentação do top DJ sueco, aquele preferido pela família Estevão. O show acontece a poucos metros da maior lavanderia a céu aberto do mundo. Ingressos a 200 reais, mesma renda mensal das famílias que ensaboam, enxáguam e torcem Mumbai, quando tanto. Brasil, é você?
Se a sua ideia sobre a cidade se resume a Quem quer ser um milionário?, compre um tíquete e venha ver por si mesmo.
Vamos embora para Calcutá?
Publicado; 07/12/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Calcutá, Kolkata 2 ComentáriosCheguei a Calcutá tensa.
Todas as informações que tinha até então eram encapadas em papel de qualidade duvidosa. Ruas lotadas e sufocantes, pobreza indigesta, dificuldade para mulheres sozinhas… Enfim, uma cidade difícil. “Apesar de toda minha experiência, me senti como uma novata em Calcutá. Me senti vulnerável, fora do meu eixo”, disse a blogueira canadense que viajou a convite do escritório de turismo local. Mas aqui comigo, uma informação destoava: Calcutá é conhecida como celeiro artístico de alta qualidade na Índia. E essas flores raras não aparecem assim, em qualquer ambiente.
Fato é que, enquanto estive lá, me perguntei todos os dias se realmente tinha descido no lugar certo.
Pela primeira vez, andei normalmente pelas ruas sem sentir todos os olhares em mim. A cidade tem um ritmo diferente, rápido, mas não frenético, alegre, mas não carnavalescamente turístico. As mulheres andam decididas e falam de igual para igual com os homens. Camelôs vendem livros em mantas estendidas no chão. Estudantes e trabalhadores, de óculos e pastinhas, pipocam por todos os lados. As crianças continuam te cumprimentando com risadinhas e os típicos gritinhos de “hello”, mas jamais vão parar a interessante brincadeira do momento para ficar na sua volta. Se eu tivesse que resumir o clima de Calcutá em uma frase, diria que ali cada um cuida da sua vida.
E a cidade sufocante? Tirando alguns pontos de maior aglomeração, as ruas são até bem tranquilas (flashs de Calcutá no Flickr aqui do lado). E a pobreza contundente? Está lá, mas nada diferente do estilão Índia. Aliás, no lugar de gente pedindo dinheiro em toda parte, o que vi foi cada um tentando se virar da sua forma, com birosquinhas montadas nas calçadas vendendo de conserto de instrumentos a fritada chinesa.
Fascinada pelo clima local, abandonei o ímpeto turistona e tirei os dias para vagar pelos bairros – queria a foto mais ampla que Calcutá e seus 4,5 milhões de habitantes poderiam me dar em apenas três dias. O desafio era usar o metrô e o trem para descer em pontos randômicos, sem um plano definido. E a cada nova estação, o reforço de que a cidade me ganhou por inteiro.
*****
ps: historinha de Calcutá – depois de muito procurar, achei uma banquinha simplória na rua que vendia pinça. Além de não superfaturar o preço do produto, coisa meio rara por aqui quando se trata de turistas, o homem recusou veementemente ficar com o troco de menos de 8 centavos de real. Não adiantou insistir: recebi duas rúpias de volta junto com um sorriso.
Meu encontro com Madre Teresa
Publicado; 04/12/2013 Arquivado em: Índia 19 ComentáriosNão tenho religião – ou como descobri nos últimos tempos, tenho todas elas. Então foi como turista, e não como devota, que quis visitar a casa de Madre Teresa, figura tão intrinsecamente ligada a Calcutá que a cidade virou seu sobrenome.
A história conta que o extremo leste da Índia foi um dos lugares mais abalados com os desdobramentos da independência indiana na década de 1940. Desarranjos políticos, religiosos e econômicos trouxeram à Calcutá milhares de miseráveis, esqueletos sem nome que morriam amontoados nas ruas (as fotos da época são o horror da vergonha a que chegamos como raça humana). Foi nesse contexto que a então enclausurada Irmã Teresa sentiu o chamado divino para sair às ruas e levar amor a quem já não temia sequer a morte, pois o inferno era ali mesmo.
A história também conta que ela não era uma figura unânime, mas confesso que fiquei com preguiça de procurar os defeitos da mulher que desembarcou sozinha em um dos cenários mais dantescos do mundo buscando fazer alguma diferença. Que morava em um quartinho minúsculo e abafado em cima da cozinha e nunca pediu sequer um ventilador. Que abriu centenas de casas aos desamparados e trabalhou até os 87 anos, já muito doente, sem esperar fortunas, promoções e férias em resorts no final do ano.
Mas foi sem saber de tudo isso que cheguei à casa. Também não sabia que ainda faltava meia hora para o horário de visitação, e já me preparava para esperar quando uma mulher se aproximou amparando um senhor de muletas, com uma prótese tosca no lugar da perna. Ela sorriu e me chamou para entrar com ela. Foi me levando pelo braço por dentro do convento até uma salinha meio escura, as luzes ainda apagadas. Por algum motivo, fui contemplada com meia hora sozinha junto ao túmulo de Madre Teresa, um dos pontos mais visitados da cidade.
Assim que cheguei aos pés da caixa branca de pedra, uma grande emoção me colocou de joelhos e as lágrimas brotaram sem parar. Justamente eu, que até ali sabia pouco além do nome turbinado pelo Nobel da Paz de 1979. Fui invadida pelas visões e sentimentos que resultaram em uma vida dedicada aos indesejados, e a experiência foi tão comovente quanto aterradora. Afinal, a responsabilidade pelo que está acontecendo é de todos nós.
“Eu vi uma multidão muito grande com todos os tipos de pessoas, muito pobres, e havia crianças também. Todos eles tinham as mãos levantadas para mim, que estava de pé no meio deles”, diz a Madre, sobre um de seus chamados, no quadro pendurado na parede. É a cena que vejo na Índia todos os dias, e a lembrança das imagens traz uma nova descarga emocional.
Antes de sair da sala, deixei uma oração na caixinha ao lado do túmulo. Pedi ajuda para que aquele meu sofrimento individual, meio inútil no contexto das coisas terrenas, seja transformado em ações concretas nos momentos certos. E que a perturbação pelo sofrimento do próximo nunca esmoreça. Acho que pedi para a pessoa certa.
Questão de lógica
Publicado; 01/12/2013 Arquivado em: Índia 6 Comentários(andando pelas ruas de um vilarejo de Bodhgaya, onde Buda obteve a
iluminação suprema).
– Oi!
– Oi!
– Me dá dinheiro?
– Desculpe, não posso, rapazinho.
– Por quê?
– Porque se eu fosse dar dinheiro para todas as pessoas que me pediram hoje, não sobrava nada.
– Mas me dá dinheiro?
– Ei, não é assim que funciona. Se eu te pedir dinheiro, você me dá?
– Não.
– Então porque se você me pedir eu tenho que dar?
– Porque você tem dinheiro.
– E porque eu tenho?
– Porque sim.
– Porque sim não! Porque eu trabalhei. Dinheiro não é assim, você pede e alguém dá. Tem que trabalhar por ele. E olha, ficar pedindo dinheiro para os outros na rua não é nada bonito no meu país, viu? Bonito é conseguir as coisas com o próprio esforço.
– Entendi.
(silencio de um minuto)
– Então me dá seu IPhone?
O que vi em Varanasi?
Publicado; 30/11/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Varanasi 12 ComentáriosOlhando pela janela do trem, a cidade fica para trás mas se mantém viva na memória dos últimos dias e dos próximos anos.
Talvez pela energia especial que os hindus depositem neste lugar, um dos mais sagrados da Índia. Segundo consta, Varanasi foi fundada pelo próprio deus Shiva, o destruidor. A ligação religiosa é lembrada pela presença chamativa dos sadhus, vagando pelas ruas com trajes laranjas e rostos decorados com pó de cinzas e tridentes vermelhos (símbolo de Shiva). Considerados homens santos, eles abdicaram dos bens materiais para impulsionar o desapego desse mundo e a conexão com o próximo*.
Em Varanasi, cidade auspiciosa para se morrer segundo o hinduismo, vi cadáveres em chamas na beira do Ganges, rijos como espantalhos quando cutucados para queimarem mais rápido. Vi corpos embalados em papel laminado, acomodados no chão em meio às cabras que comiam as flores fúnebres sem cerimônia, esperando a vez de ir para as fogueiras que nunca se apagam. Pela primeira vez vi as castas a olho nu, cada uma se consumindo no seu lugar. E os ossos grandes que não queimam, esses são jogados no rio. “Os peixes comem”, riu o homem. Aliás, ninguém ali chora, pois o homem disse que chorar atrapalha a alma que se foi. E achei que teria cheiro de churrasco, mas só cheira a madeira queimada mesmo.
Também foi em Varanasi que vi o Ganges como microcosmo de uma pequena cidade, funcionando manco de uma margem só. Lixo, vendedores que falam qualquer língua para empurrar mercadoria, pescadores, barqueiros, cachorros sarnentos, peregrinos se banhando, lavadores de roupa, cozinheiros, esgoto, artesãos, vacas encrencando com búfalos, cobras, cabras, corpos queimando, meninos empinando pipa, meninos tentando rebater um pedaço de pau na falta de uma bola, miseráveis reunindo cocô para usar como combustível, varais enormes, roupas recém lavadas estendidas no chão imundo, cerimônias religiosas tão ensaiadas que pareciam apenas coreografia.
Em Varanasi assisti ao meu primeiro concerto de música indiana em uma salinha de teto baixo inversamente proporcional à virtuose dos instrumentistas. Só não entendi porque o festival era dedicado a George Harrison, mas o importante é que o beatle appeal funcionou com a turistada.
No caminho para a estação de trem, Raju, o motorista do rickshaw a pedaladas, disse ter muitos amigos. Não satisfeito com o “good” meio morno, sacou uma agendinha com depoimentos de dezenas de clientes satisfeitos desde 2005, um impressionante TripAdvisor pessoal improvisado. Mais impressionante ainda a quantidade de vezes que a expressão “only honest driver in town” aparecia nas páginas amareladas.
Em Varanasi me senti uma pequena peça do estranho quebra cabeça existencial, esperando a hora de me encaixar em algum lugar.
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* Para o documentário Sadhu, o diretor Gaël Métroz acompanhou a saga tortuosa de um peregrino por vários meses, com cenas em Varanasi. Dois minutos de trailer aqui.
Resumão Mundolândia
Publicado; 29/11/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Bishnoi, Jodhpur, Khajuraho, Udaipur Deixe um comentárioO tempo passa e até as descobertas diárias, tão inéditas, viram rotina. Na combinação entre correria de um lugar para outro + acesso limitado à internet rápida + divisão do tempo livre entre o planejamento dos próximos passos/falar com a família e amigos antigos/entrosar com os novos amigos, algumas coisas legais acabaram ficando pelo caminho.
Me redimo agora com um resumão dos momentos imperdíveis das últimas semanas.
1) Ama à árvore como a ti mesmo
Você, defensor dos animais e da natureza, pode ter abdicado bravamente dos prazeres da carne, mas daria sua vida por uma árvore? Pois aqui na Índia isso já aconteceu não uma, mas 363 vezes. O povo Bishnoi vive em pequenas vilas perto de Jodhpur e é conhecido por interferir minimamente na natureza. Contrariando os costumes hindus, as famílias preferem não cremar os cadáveres para não usar lenha. Também não usam tecido de cor azul, pois isso significa que foi preciso maltratar uma planta para obter o índigo artesanalmente.
Aí que no Século 18, o manda-chuva local achou que devia cortar umas árvores na área dos bishnois para construir seu palácio. Uma mulher da comunidade se colocou entre os soldados e a floresta, dizendo que primeiro teriam de cortar a cabeça dela – o que não hesitaram em fazer. As filhas tiveram a mesma reação, assim como mais de 300 habitantes do vilarejo. Quando a matança chegou aos ouvidos do rei, virou uma comoção só e ele declarou a área toda intocável e santa. Se o bloqueio está funcionando plenamente não sei, mas um astro famosíssimo do cinema indiano está enrolado na Justiça há anos porque inventou de caçar um animal sagrado na área dos bishnois.
2) Luxo e lixo lado a lado
O que sempre ouvia antes de chegar a Udaipur era: “Nem parece a Índia” – observação parcialmente correta. A cidade é um deleite para os olhos, com palácios e resorts de 1.200 reais a diária rodeando lagos cobertos por uma bruma cênica, algo entre Veneza e a Lagoa Rodrigo de Freitas. O luxo é tão convincente que Udaipur foi uma das locações do décimo terceiro filme da saga James Bond, Octopussy (1983), estrelado por Roger Moore.
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Mas ó, nem precisa sair da área “nobre” dos lagos para ver a Udaipur da vida real. Só precisa treinar os olhos para mirar o que não reluz.
3) Tabu reverso
Segundo sabemos deste mundo, o tempo é o maior diluidor de tabus, transformando o chocante em corriqueiro. Mas na Índia esse conceito é relativo, ao menos quando olhamos para os templos de Khajuraho. Construído nos séculos 10 e 11 pela comunidade Chandela, o complexo tem construções incríveis com esculturas em relevo mostrando detalhes dos costumes da época: adoração aos deuses hindus, vida na corte, guerras, brigas de elefantes, apresentação de músicos e dançarinos e… sexo, em cenas orgíricas de fazer corar os desprevenidos (cavalo incluso).
Isso no país onde mal se vê casais de mãos dadas nas ruas hoje em dia.
p.s.1) Os álbuns completos de Jodhpur, Udaipur e Khajuraho estão no Flickr, na coluna aqui à direita.
p.s.2) Já estou na parte leste da Índia, rumando para o sul dentro de poucos dias. Esqueceu o link para acompanhar as andanças no mapa? Olha ele aqui!
Estilo indiano: 5 curiosidades
Publicado; 26/11/2013 Arquivado em: Índia 8 Comentários1) Proud Ronald men
Padrão é ótimo porque ele só significa alguma coisa para quem o segue. E aqui, regozijo ao perceber que muitos homens não estão nem aí para a ditadura da beleza ocidental que crucifica os tonalizantes masculinos. Coisa mais fácil na Índia é achar senhores ostentando, orgulhosos, cabelos e barbas com tons entre o vermelho Ronald e o laranja cenoura (resultado do uso da hena). Aliás, muito mais senhores que senhoras cuidando da cabeleira, diga-se de passagem.
2) Mulheres divas
Ainda no quesito danem-se os padrões ocidentais, é muito interessante perceber que as roupas típicas indianas são a maior opção entre as mulheres de todas as idades. Não importa se estão trabalhando no meio da roça, enfiadas no lixo ou deitadas no chão da estação de trem: o glamour se sustenta nos saris e conjuntos coloridíssimos em tecidos leves, muitas vezes bordados em dourado e prateado. Isso sem falar na enorme quantidade de acessórios igualmente coloridos e brilhantes: dezenas de pulseiras nos braços, brincões, piercing no nariz para todas as idades e de todos os tamanhos, pintura corporal de hena, adesivos na testa, etc. Lindas, lindas
3) Afeto masculino
Os paulistanos sem noção que adoram bater em homens abraçados na rua deveriam cumprir medida socioeducativa de um ano por aqui. Embora a tradição indiana seja restritiva com o carinho público entre casais, o mesmo não vale para homens: corriqueiro ver garotos, jovens, homens e senhores abraçados ou de mãos dadas caminhando por aí. Segundo perguntei, é a forma natural de demonstrar carinho entre amigos e familiares. Ah, e também ia ser bom para quem tem preconceito contra homem usando brinco: aqui eles usam até de florzinha, nas duas orelhas, coisa mais supimpa do mundo.
4) Branqueamento sem vergonha
Eu tenho para mim que a televisão é o termômetro dos anseios de uma sociedade. Se está passando a propaganda ali, dois motivos explicam: ou porque já vende muito, ou porque tem muito potencial de venda. E por aqui, um dos maiores hits são os cremes para branqueamento masculinos e femininos, em anúncios que fariam tremer os ativistas do orgulho racial. Geralmente a historinha é alguém que está se dando mal, começa a usar o creme (animação mostra o resultado em escalas de branco) e plim, tudo na vida se resolve. No máximo, vem um eufemismo que o creme serve para tirar os efeitos “da poeira, da poluição e do sol”.
5) Eles se amam, afinal
Lendo o item acima você imagina: nossa, eles devem ter um grande complexo de inferioridade. Será? Ainda considerando televisão/cinema como termômetros sociais, é incrível a quantidade de programação local que eles consomem. Clipes, seriados, filmes, tudo é daqui. Enquanto as televisões pagas choram as pitangas no Brasil para amolecer um sistema de cotas mínimas de programação nacional, aqui foi uma luta para achar um (1) canal que exibe conteúdo norteamericano. Um dia, quando assistia a um canal de clipes no Punjab, essa metáfora ficou bem clara. A cena começava em uma balada com Beyoncé bombando forte. Aí chegava a cantora indiana e trocava para a música dela, no melhor estilo “sai filha, quem manda aqui sou eu”. Fim.
O resort mais estrelado do mundo
Publicado; 22/11/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Camel Safari, Jaisalmer, Thar Desert 17 ComentáriosCheguei ao meu extremo oeste da Índia, onde encontrei Jaisalmer. Poderia falar do charme da cidade que ganhou o apelido de dourada, mas na verdade é amarela. Poderia falar da importância histórica como entreposto comercial rumo à Ásia Central nos tempos antigos, e também do atualíssimo significado geopolítico no eterno climão com o Paquistão.
Poderia falar do único forte que conheci tão ou mais vivo que na época da construção, no Século 12. Lojistas e moradores estão em cada ruazinha labiríntica da cidadela murada, tentando chamar a atenção dos turistas como podem. Já viu um castelo/palácio/forte todo formal em seu tombamento e pensou: “Como deveria ser isso nos tempos áureos?”. Pois em Jaisalmer tudo continua assim, bem áureo, bem dourado.
Mas o destaque deste post não está exatamente em Jaisalmer, e sim no seu vizinho – acredito eu, responsável por influenciar diretamente tudo que diz respeito à cidade: o deserto de Thar.
Nos últimos dois dias, passei por incontáveis paisagens do lugar famoso pelas secas que podem durar até sete anos, mas desta vez relativamente vivo e verde, resultado das chuvas que caíram em agosto último. A visão limpa dos cenários a desbravar favorecida pela companhia do líder entre os camelos do grupo – que não hesitou em morder a perna do rebelde que ousou ultrapassá-lo.
Ali fiz amizade com o guia que diz ter 25, mas aparenta 40, cujos maiores orgulhos são o bigode estilo marajá nunca raspado e jogar polo (de camelo, claro) contra o time do exército uma vez por ano. Sempre puxando uma música esganiçada pelo caminho, riu de mostrar todos os dentes quando eu disse que no Brasil poderíamos formar uma dupla sertaneja, Del Boy e Débora. Ele diz rezar todos os dias para conseguir dinheiro e viajar pela Índia. É o seu maior sonho.
Ali conheci os meninos ajudantes que acreditam ter um futuro mais promissor se deixarem de ir à escola para aprender como levar turistas e seus dólares/euros para o deserto.
Ali ajudei a cozinhar e a fazer pão numa fogueirinha improvisada no chão. Para quem me conhece, inusitado é pouco.
Ali brinquei com um cabritinho que havia nascido há uma hora, ainda tentando dar os primeiros passos com as perninhas tronchas.
Ali vimos o sol descer como uma laranja pelas dunas.
Ali esticamos nossas cobertas sobre a areia fina, acima de nós apenas o céu. Sempre que estava quase pegando no sono, acordava sobressaltada tentando não perder um segundo daquela visão celestial, redundando entre o literal e o poético.
Aos meus amigos que adoram os cinco estrelas, me desculpem… prefiro a companhia de milhões delas.
Pushkar delirium
Publicado; 17/11/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Pushkar Fair, Pushkar Mela 2 Comentários
A primeira vez que soube de Pushkar foi pelo blog da Rachel e do Marco. E desde que li este post aqui, a feira anual que acontece por lá virou destino dos sonhos. Como resistir à mistura entre o furdunço típico de exposições agropecuárias (Fernandópolis <3) e o indian way of life? Só vendo.
Primeiramente, Pushkar em si já vale a visita. Cidadezinha de cerca de 15 mil habitantes encrustada no efusivo estado do Rajastão, é daquelas que dá para fazer tudo a pé. Fica instalada confortavelmente entre morros, dunas arenosas e um lago, considerado super sagrado pelos hindus. Segundo consta, Pushkar é o único lugar da Índia com um templo dedicado ao deus Brahma, que juntamente com Shiva e Vishnu, formam a santíssima trindade do hinduísmo.
Então que aqui já é um lugar de forte peregrinação religiosa para os indianos. Aí tem a peregrinação dos gringos mochileiros da cannabis (que aqui é meio que liberada). Eles fazem uma escala especial para provar o famigerado bhang lassi, literalmente, iogurte de maconha (faça uma rápida busca no Google para entender do que eu estou falando). Tem também os outros turistas ocidentais que vêm só pelo charme da cidade mesmo.
Mas aí tem a feira em meados de novembro, e bem, Pushkar vira uma mistura de tudo que você imaginou e não imaginou ver um dia.
Basicamente, milhares de comerciantes de gado, búfalos, ovelhas, cavalos e camelos de todo o país desembocam na cidade para trocas comerciais. Diferentemente das nossas assépticas feiras agropecuárias, eles se instalam em tendas espalhadas por um enorme espaço arenoso nas cercanias da cidade. Ficam lá meio nômades, junto de seus animais, que andam semi-soltos por todos os lados. Diferentemente das nossas burocráticas feiras, aqui parece que não tem muita frescura não: chegou, vai expondo e vendendo. Oferta e procura estão mais que suficientes para regular qualquer coisa que seja.
Aí que esse movimento acaba atraindo muitos outros movimentos, como expositores que vendem de jogo de canecas de vidro a brinquedos estranhos, de batidas sem álcool (aqui é proibido) a tratores, de calças jeans a uma nova fé. E tem vários parques de diversões (quatro rodas gigantes, gente), com shows de mágica bisonhos, globo da morte que não é globo, brinquedos puxados por tração humana, crianças pintadas como deuses hindus pedindo esmola.
E tem competições loucas como a do melhor bigode ou de qual estrangeira é a melhor noiva indiana. E tem artistas mambembes exibindo truques que despertariam ira nos protetores de crianças, macacos e cobras, no estádio cuja principal regra é não ter regra nenhuma. Tudo entre incontáveis excursões de idosos ocidentais montados em camelos com pompons coloridos, balançando para lá e para cá enquanto disparam suas câmeras sem parar.
Fiquei enfurnada nesse fuzuê por três dias, andando ao sabor da poeira, olhões ainda mais arregalados para absorver a overdose de informações. E olha, não precisou nem de bhang lassi para me sentir em outro planeta, viu.






























