Obrigada, ladrão
Publicado; 08/01/2014 Arquivado em: Sri Lanka 10 ComentáriosUma das maiores pragas da humanidade é a expectativa. Ficamos ansiosos esperando que algo aconteça. Aí ficamos metódicos para que a tal coisa aconteça exatamente do jeito que planejamos. E, por fim, ficamos frustrados quando a situação não sai lá bem do jeito que imaginamos (ou seja, quase sempre).
Já tem um tempo que estou em processo de autodetox desse péssimo hábito, mas o negócio ganhou corpo especialmente nesta viagem, onde tudo é um mar incertezas e coisa mais fácil é dar com um programa de índio incidental.
Aí que nesta semana, como vocês já sabem, veio o roubo do celular bem na véspera do aniversário, em dias de chuva torrencial em Kandy. Old Débora já estaria praguejando porque tinha expectativa de um aniversário incrível cheio de coisas boas. Débora nova está achando que coisa boa mesmo foi esse larápio ter aparecido. Senão vejamos:
– Não fosse essa história, não ficaria a lição para tomar cuidado quando o ambiente parece inofensivo.
– Não fosse essa história, não ficaria o calorzinho no coração pela solidariedade dos turistas que interromperam seus passeios para ajudar no que fosse preciso.
– Não fosse essa história, não ficariam as interessantes horas de convivência com a polícia local, que mesmo com inglês e possibilidade de ação limitados, tratou o caso como se tivesse acontecido com um vizinho – com atenção, sorrisos afetuosos e um copinho plástico de guaraná amarelo para alegrar a aniversariante que dava queixa.
– Não fosse essa história, não ficaria a satisfação por conseguir dar a volta por cima e resolver tudo em apenas um dia.
– Não fosse essa história, não ficaria um dia a mais no hostel convivendo com a zeladora mais fofa do planeta. Do tipo de gente que não aguenta ver você preparando um miojo puro e corre para cozinhar uns legumes para dar mais sustância. Não, você não pagou por isso, é da comida dela.
– Não fosse essa história, passaria o dia inteiro do aniversário vagando por aí de mente desocupada, lamentando não estar perto dos queridos do Brasil. Não daria o devido valor a um suculento prato de espaguete e a uma torre de chopp na prazerosa companhia de colegas de hostel depois de um dia resolvendo pendengas na rua.
– Não fosse essa história, não teria vivenciado uma situação real para treinar a calma e o autocontrole. O tipo de coisa que não adianta especular em teoria meditando em templo budista: a hora do vamos ver é quando, claro, as coisas estão fora do controle.
– E, principalmente, não ficaria a prova empírica, via crowdfunding, de que vocês estão aqui, apoiando e se divertindo com essa viagem, incluindo gente que eu sequer conheço. É efeito colateral que nem um milhão de celulares roubados poderiam pagar.