O mar e eu

Ele

Ele

Desde pequena sonho, vez ou outra, que estou voando. Um impulso no chão e ganho o ar transparente, o corpo leve, enquanto a vida passa curiosa lá embaixo. Pernas e braços soltos, sou levada pelas correntes de ar até a manhã seguinte, na incômoda paralisia dos limites humanos.

Paralisia, no meu caso, também psicológica. Sou daquelas telúricas convictas, que entra em pânico só de pensar na possibilidade de despencar de um paraquedas ou de planar em um parapente. Já me acovardei diante de uma tirolesa. Então imaginem minha surpresa ao ver esse delírio onírico voador acontecendo sem aviso bem diante dos meus olhos.

Antes de tudo, esclareço que sempre fui refratária à ideia de mergulhar. A diferença é que, aqui nas Maldivas, não precisa de curso, ou do asfixiante tubo de oxigênio, ou de preocupar se dá pé – essas coisas que fazem refugar os amantes de terra firme. O mar turquesa sem ondas salpicado de corais e de peixes coloridos rodeia cada ilha, na profundidade de uma cintura. Estava fácil: emprestei a máscara/snorkel da pousada e, quando dei por mim, já tinha residido uma hora e meia no mundo subaquático nas cercanias de Maafushi. Tempo só lembrado pela dor nos dedos completamente enrugados.

Empolgada com a descoberta, arrisquei um coral em mar aberto no dia seguinte. Aos poucos, a adrenalina com o salto do barco foi dando espaço à serenidade hipnótica de ouvir apenas a própria respiração, enquanto a visão se abobalhava com o mar – cristalino perto do coral, deep blue logo ali na frente.

Depois de um bom tempo entretida com peixes dançarinos comedores de corais, pepinos do mar molengas e tudo mais que mora lá embaixo, prestei atenção em mim mesma. Os braços e pernas soltos flutuando na corrente transparente. Corpo leve, observando o mundo curioso lá embaixo. O déjà vu veio acompanhado de um enorme sorriso mental (porque se sorrisse de verdade entrava água pelo snorkel).

Eu estava voando no mar das Maldivas.

****

p.s.: quando tinha 14 anos tive uma breve experiência com snorkel em Angra dos Reis. Experiência que colaborou para o meu refugo aquático desde então.