Um alô dos Himalaias!
Publicado; 17/02/2014 Arquivado em: Nepal | Tags: Annapurna Circuit 10 ComentáriosEu não sei nem por onde começar a descrever tudo o que aconteceu desde o dia 12 de fevereiro, quando comecei o trekking de 16 dias pelo circuito do Annapurna.
Como essa é a primeira comunicação com o mundo desde o dia 1, e a conexão não é aquela beleza, vou resumir: tem sido uma das experiências mais sensacionais dessa viagem. E digo isso não apenas pelas paisagens incríveis entre as montanhas absolutamente empinadas dos Himalaias, mas principalmente pela enorme quantidade de pequenas vilas pelo caminho e a possibilidade de submergir em uma realidade tão tão distante da nossa, em um mundo onde internet e telefone não fazem a mínima diferença.
Mas depois explico isso melhor.
Hoje está um lindo dia ensolarado de céu azulíssimo e preciso aproveitar para continuar viagem depois de ficar dois dias presa em uma vila esperando uma nevasca daquelas passar.
Aos afoitos de plantão, bom saber que aqui quem manda é a natureza.
ps: aos amigos preocupados com segurança, fiquem tranquilos que não estou no time dos afoitos e as trilhas não são perigosas. Ah, e nunca estou sozinha, sempre tem gente pelo caminho!
Brasiuiuiuiu
Publicado; 11/02/2014 Arquivado em: Nepal 4 ComentáriosQuando o pessoal da Ásia pergunta de onde sou, um grande sorriso é o invariável efeito da resposta Brasil (isso quando não entendem Belgium e fazem cara de “tá”).
Eles não sorriem porque somos uma potência sul-americana (“Fica na África?”).
Eles não sorriem porque nossa economia está em trote e a classe média enlarguece a perder de vista.
Eles não sorriem porque conhecem Michel Teló, Tropa de Elite, Dilma.
Eles não sorriem porque aparecemos muito por aqui para gastar nossos reais.
As palavras eufóricas que seguem a revelação são: FOOTBALL! RONALDÔ! KAKA! PELÉ! Sempre, sempre sempre.
(Um garçom do resort das Maldivas, que é do Bangladesh, quase desconjuntou minha mão de tanto sacudir quando descobriu que sou brasileira. Confidenciou que o garoto dele chora de emoção toda vez que nossa seleção entra em campo).
Se já era entusiasta do esporte, fico cada dia mais abismada com o poder doutrinador de uma simples bola no pé (no nosso pé, que fique bem claro). Aqui a expressão “país do futebol” não é clichê-marketing.
A viagem só acaba em novembro, mas no dia 12 de junho, tenho passagem para casa. Aqui e no Bangladesh, não conteremos a emoção diante da TV.
#vaibrasil
p.s.: justiça seja feita, a Argentina é tão ou mais lembrada por esse mesmo motivo. Messi é quase uma religião, Neymar sequer é citado.
p.s.: com esse post nacionalzão, lembro a chegada do quarto mês longe de casa. Mas a casa vai comigo, ah vai.
Amnésia
Publicado; 08/02/2014 Arquivado em: Nepal 2 ComentáriosHoje acordei meio sei lá. Ninguém para conversar. Ninguém para falar bom dia (em português) depois de quatro meses.
Estou em Pokhara, o Nepal turistão (mas os turistas ainda não chegaram direito, só em março). Festa esvaziada, todo mundo ansioso para chegar logo. Mas eu, que estou aqui agora, fico ansiosa sem saber porquê.
Saio para caminhar, vozes femininas chamam de uma ruela afastada. O cenário atrás da cortina improvisada é ainda melhor que a promessa: mulheres entre a meia-idade e nenhum dente na boca estão em algum tipo de evento só para elas. Cantando e rindo, as senhoras sentadas no chão tocam tambores e sinos e entoam músicas que parecem sempre as mesmas, mas considerando as reações diferentes da plateia, não são. As roupas parecem de festa, estilo sari indiano, mas com toque local com as trouxas amarradas na cabeça. No meio da roda tem sempre alguém dançando e não pude negar quando me convidaram. Ninguém falava inglês e nem entendi direito onde estava. Passei um bom tempo ali, batendo palmas e sorrindo, sem coragem de fotografar um evento tão intimo e estragar nossa relação recém-nascida.
Segui meu caminho rumo ao topo, e na descida do templo, todas as crianças que saiam da escola me faziam sorrir com um “rariú” (e nem eram de Recife, I do love cafusu <3). Mais um pouco, quatro pequenos em um terreno baldio insistiram, irresistivelmente, para que eu me juntasse a eles no jogo de peteca/tênis que eu nunca lembro o nome e que eu nunca tinha tentado antes de hoje.
Já esqueci o começo deste post.
Para que ano fomos, Doc Brown?
Publicado; 06/02/2014 Arquivado em: Nepal | Tags: Kathmandu 4 ComentáriosO Nepal vai bem, mas não esse que você está pensando.
Em algum momento criamos a imagem de um país tranquilíssimo nas montanhas encrustadas de monastérios budistas. Pois 80% da população é hindu, e considerando a capital, tranquilidade é um conceito que não se aplica (ainda que o ritmo esteja longe de uma metrópole convencional).
Se Delhi era o choque desconcertante entre pobreza e luxo, Kathmandu é a convulsão temporal encarnada. Me esforcei para lembrar que estou em 2014 enquanto caminhava pelas empoeiradas ruelas que desembocam em mini-praças medievais. Nos pés dos templos, mulheres enroladas em xales passam o dia acocoradas junto às mercadorias expostas em lonas e sacos, os legumes e verduras pesados na balança de mão. Nos açougues, as carnes são exibidas em balcões que dão para a rua, o cheiro de sangue invadindo a calçada.
Em harmonia com a arquitetura dos templos, as rústicas habitações de três a cinco andares nas sobrelojas são ornamentadas com janelas esculpidas em madeira. Perambular pelos pátios internos formados pelos prédios é ser transportado para uma outra época, onde a água do poço é bombeada manualmente e as crianças brincam na rua.
A noite chega e quase não há iluminação pública. O breu completo é quebrado por feixes esquálidos de luz que vazam das lojas equipadas com minigeradores ou um gato bem puxado. Muitos estabelecimentos só contam com luz de velas.
Reasseguro estar no Século 21 enquanto caminho pelos bairros mais novos salpicados de shoppings e de estabelecimentos ocidentalizados. Na área dos mochileiros, rapazes de franja lambida da moda vendem jaquetas North Face para turistas despreparados. Guardas passam o dia empenhados em domar o trânsito nas ruas por onde passam carros e ônibus, e os rios tentam arrumar um espacinho para fluir entre a enorme quantidade de lixo.
Kathmandu parece um pássaro que precisa sair do ovo que já não comporta a vida lá de fora. Mas aí o pássaro não sabe viver de outro jeito (ou prefere esse mesmo) e vai ficando até quando der, a casca toda rachada deixando entrar o novo, para o bem ou para o mal.
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p.s.: sabe o Sri Lanka? Finalmente carreguei todos os álbuns aqui!
Ponderando
Publicado; 04/02/2014 Arquivado em: Maldivas | Tags: Maafushi 4 ComentáriosDesembarquei em Malé com vaga ideia do que seria uma ilha habitada. Uma semana depois, concluo que Maafushi é as Maldivas para todos, mas também para poucos.
Os amantes da estética se desapontariam com a relativa economia de enquadramentos cênicos. Os exclusivos agonizariam no papel de meros figurantes da vida local, que corre as ruas de areia em motos sem capacete e relaxa preguiçosa em cadeiras de corda. Os insones se esbugalhariam ao acordar diariamente às 5h com os cânticos entoados nos autofalantes das mesquitas. Os ambientalistas sangrariam verde com a quantidade de lixo acumulada em algumas partes da ilha, sem aparente solução. Os medrosos tremilicariam ao dividir espaço com o único presídio local. Os fanfarrões pensariam duas vezes antes de pisar em uma ilha onde não é permitida venda de álcool. Os exibidos se indignariam com a restrição do biquíni a apenas uma praia pequetita, cercada por um biombo.
Mas Maafushi também é a ilha de quem acha que luxo mesmo é poder visitar as Maldivas para ontem, sem mais delongas financeiras. É a ilha dos amantes da simplicidade, que não gostam da sensação meio incômoda do serviçal sempre à disposição. É a ilha dos admiradores da realidade bruta: a garrafinha de água que você ajudou a tomar está ali boiando e alguém precisa fazer alguma coisa. É a ilha de quem acha tão incrível dividir o mar com mulheres de burca que nem se lembra do fato de estar vestida. É a ilha de quem regozija ao pagar justo, e onde é possível jogar pelada com os habitantes e ganhar florzinha da dupla de meninas que estão sempre na frente do mesmo portão. É a ilha para quem não hesitaria em trocar o mergulho na piscina privativa do quarto superdeluxe pelo banho em uma nova cultura.
E você? Qual?
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p.s.: Com essa, termino a temporada no reino paradisíaco tropical e parto rumo a um mês no teto do mundo, vulgo Nepal. Diz que vai ter até trekking de 16 dias. A conferir.
p.s.1: se perdeu? Me segue no mapa!