Duas

Estava em uma vídeo-chamada com o Brasil quando elas passaram em frente ao restaurante. Por isso não vi bem quando a pequena puxou uma cadeira e se instalou na minha mesa. A mãe tentava tirá-la de lá enquanto eu me enrolava entre o inglês e o português para explicar em casa o que estava acontecendo e a elas que, claro, podiam ficar.

Pediram pizza, coca-cola, suco de melancia e vagem. Angelika saltitava lá é cá com seu vestidinho longo florido e cabelinho preso em uma borboleta, enquanto Jamie adivinhou de primeira que eu era brasileira. Disse adorar o país, já esteve por lá seis meses há dois anos. Goiás, Acre, Amazonas, Bahia, São Paulo, Paraná, de repente até outros lugares mas não deu tempo de falar. Ficou dois meses na casa de John of God, testou desintoxicação com venenos de pele de sapo em uma tribo isolada da Amazônia. Nunca vacinou sua filha, protegida por energização da alma. O narizinho com bolha queimado de sol logo sara.

Natural dos Estados Unidos, Jamie viaja há seis anos, e se viu grávida na metade do caminho. Do pai não perguntei, disse apenas que não esperava. A menina começou a atirar os clipes da mesa na rua. Depois da conversa séria, Angelika fez que entendeu e sossegou dentro do possível para uma criança de três anos. A mãe conta que até ali a mochilada a duas ia bem, incluindo meses com a recém-nascida entre Nepal e India. Mas parece que agora a mocinha começou a ficar cheia de vontades e ela precisa encontrar uma forma de mostrar como funciona a sociedade em equilíbrio.

A menina pula no meu colo e começamos a desenhar letras no guardanapo. Pergunto como recebeu a notícia de um bebê. Jamie diz que foi uma questão de se reprogramar: o que era um, virou dois, o que demoraria um ano, levou dois. Mas que o ato de viajar sempre foi o grande motivo para manter tudo em ordem. Conta que agora seu maior desafio é ensinar à pequena que algumas culturas não podem em outras e vice-versa.

Angelika começa a ficar com sono quando ainda discutíamos viagens de jipe à África e mochilões pela América Central. Motivo para nova conversa entre mãe e filha. “Quando você brinca com seus amigos a mamãe sempre espera, agora a mamãe está feliz com a amiga e você tem que ser paciente também”. Puxando a borboleta do cabelo, a garotinha esboça um muxoxo mas parece entender que aquilo faz sentido.

Nas muitas recomendações e até logos da despedida acabei perdendo o contato digitado provisoriamente no telefone. Mas o mundo está aí, elas também. Fazer da viagem nosso grande motivo vai manter tudo em ordem.

***
ps: atualização dia seguinte: nos achamos de novo!


4 Comentários on “Duas”

  1. Mara Garcia disse:

    Gentemmmmmm, que delicia !!!!!!!! Realmente este mundo tem de pouco um tudo, de tudo um pouco, que MARAVILHA !!!!!!! Abraços e boa viagem !!!!!!!

  2. Aline disse:

    Eu adorei essa história!! o legal de tudo isso é que você divide tudo com a gente!! viva os encontros e desencontros pelo caminho…


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