Guru
Publicado; 27/10/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Parmarth Niketan, Swami Chidanand Saraswatiji 10 ComentáriosAntes de chegar ao ashram, li muitos artigos de ocidentais que procuram esses retiros e saem como chegaram. No meu caso, várias experiências foram marcantes, como as conversas com o guru depois das cerimônias no Ganges. Impossível ficar indiferente à fé das pessoas que vêm até aqui em busca de conforto, solução, bênçãos e agradecimento.
O Swami Chidanand Saraswatiji não é daqueles espirutualistas contemplativos de aspecto sereno. Pelo contrário, é um homem atento, de olhar incisivo e gestos rápidos. Seu currículo com várias iniciativas humanitárias, educativas, sociais, interreligiosas, políticas e ecológicas parece estar mais de acordo com o mundo em que vivemos, tão carente de tantas coisas para já.
As pessoas vêm de todas as partes do mundo para ter aquele breve momento com ele, e a devoção é tocante. Quando se aproximam, os olhos dos fieis se enchem de ternura e de emoção, e eles fazem reverência tocando a testa próximo ao local onde o Swamiji está sentado.
Os objetivos são dos mais diversos. Alguns fazem perguntas complexas sobre espiritualidade ou deveres como hindus. Outros trazem doações. Um engenheiro americano veio oferecer seus serviços para ajudar no projeto de limpeza do Ganges tocado pelo ashram. Famílias trazem celulares para que o guru abençoe a foto de alguém que está doente ou que acabou de nascer (os hindus acreditam muito no poder da imagem para fins religiosos).
Mas ontem não me aguentei com uma família enorme de avós, pais e filhos que veio ter com o Swamiji. Eles pareciam muito simples, e quem falou em nome de todos foi o patriarca. Ajoelhado em frente ao guru, as palavras em hindi diziam menos que os olhos cheios de tristeza. Embora não tenha entendido uma palavra, percebi que era um momento de muita dor, confirmada pelas lágrimas que escorreram pela farta barba branca.
Uma mulher da família que estava do meu lado rompeu em soluços. O Swamiji falou algumas palavras em tom firme, mas de efeito calmante. Abençoou uma caixa de doces que o homem trouxe, abençoou um manto brilhante que colocou em volta dele e pareceu dar algumas orientações no sentido de que tudo ficaria bem. Toda a família se ajoelhou em frente ao guru, um a um com a cabeça no chão em reverência.
Saí da cerimônia com o coração apertado, e fiquei andando pelos jardins de um lado para o outro. Uma mulher daquela mesma família se aproximou e me ofereceu um doce da caixa abençoada. E a aflição se foi.
P.s.: mais sobre o ashram, seus projetos e como ajudar no http://www.parmarth.com
P.s.2: aos interessados em saber mais sobre gurus, sugiro a leitura do livro Autobiografia de um Iogue. Se você é dos céticos, no mínimo é uma boa obra “ficcional” com temática oriental.
A semana em um ashram, sem rodeios
Publicado; 26/10/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Ashram, Parmarth Niketan 14 ComentáriosDesde que cheguei a Rishikesh, não fiz um amigo e vivo de olheiras fundas, mas há tempos não me sentia tão calma e satisfeita. Detalhe que me hospedei em um ashram considerado liberal, com regra de silêncio mais opcional que compulsória, sem a obrigação da seva (o trabalho voluntário), e com programação bastante flexível. Ou seja, se você quiser falar sem parar e faltar às atividades o problema é mais seu que deles. Mas aí, estar aqui deixa de fazer sentido.
Às 4h30, os badalos da Mangala Aarti tentam acordar os peregrinos (muitos deles indianos) para as primeiras preces do dia. Levantar da cama e encarar o vento frio que sopra entre os morros, ainda encobertos pela noite, é um trabalho diário de superação. Entre 5h e 5h30, o desafio é manter-se desperto com as orações musicadas em sânscrito. A variação mínima dos acordes do harmônio acaba criando um transe mental, e é preciso se policiar constantemente para não passar da concentração para o primeiro estágio do sono.
A terceira prova da madrugada também é daquelas: meia hora de palestra em hindi sobre questões espirituais. Embora seja muito interessante estar ali, só dá para entender os três primeiros oms e pescar algumas palavras como Krishna, samsara, darshan e yoga. Para os não iniciados, outra dificuldade é manter-se sentado no chão em posição de lótus por quase uma hora, com as pernas já dormentes.
A partir das 6h30, são duas horas de yoga e meditação. Embora o nível de dificuldade seja fácil, virar e desvirar o corpo com o cérebro ainda meio zonzo de sono, sem ter comido desde a noite anterior, é uma tarefa mais complexa que parece. O horário entre o café da manhã e a próxima aula (16h) é livre.
Às 17h30, todos os internos são esperados para o Ganga Aarti, a cerimônia de devoção ao rio. Os cantos e orações só terminam com a noite já instalada, quando o Swamiji nos recebe para uma série de perguntas e respostas sobre inquietações da alma. Depois do jantar, é hora de tentar dormir, pelo menos até a próxima madrugada.
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p.s.: a alimentação do ashram merece um parágrafo a parte. As três refeições diárias são totalmente vegetarianas (sem derivados do leite nem ovos) e naturais – ou seja, nada processado, frito ou com aditivos. A comida até agrada quem não é fresco, mas acaba ficando repetitiva. E é justamente nessa falta de graça que está uma lição interessante: a possibilidade de aniquilar a gula sem muito sofrimento. Você vai comer, feliz, porque seu corpo precisa daquilo, e não pela vontade desenfreada de sentir um gosto específico. O mais difícil é levar essa ideia libertadora para a vida real, com suas rotinas estressantes e fast foods.
Um dia em um ashram hindu
Publicado; 23/10/2013 Arquivado em: Índia | Tags: Ganga Aarti, Parmarth Niketan, Pujya Swamiji 17 ComentáriosO fim da tarde se aproxima na beira do Ganges. Em Rishikesh, mais de 200 quilômetros ao norte de Delhi, as águas recém saídas dos Himalaias passam cristalinas e caudalosas. Os internos do ashram se acomodam na parte de cima da escadaria que dá acesso ao rio, enquanto pessoas de todas as nacionalidades começam a chegar para o ritual diário de saudação ao Ganga. Para os indianos, ele é a manifestação da própria divindade.
Cheguei cedo e consegui um bom lugar, próximo à caixa de som e com visão panorâmica do rio, do por do sol e da cerimônia. Vestidos de laranja, os jovens do ashram entoam os primeiros versos do primeiro mantra, embalados pelos acordes hipnóticos do harmônio, pelo batuque aquoso da tabla e pelo leve timbre de sininhos.
A fogueira das ofertas é acesa, e os indianos se aproximam para participar mais ativamente da cerimônia, enquanto os estrangeiros se dividem entre tirar milhares de fotos e observar tudo atentamente. O sol se esconde entre a neblina das montanhas do outro lado do rio.
Já na segunda metade do Ganga Aarti, todos de pé: o guru do ashram aponta na escadaria. A presença magnética é reforçada pela vasta cabeleira e o manto laranja. O olhar dele cruza com o meu, e temo ter questões mundanas demais em mente quando ele passa rápido pelos meus pensamentos.
O Swamiji começa um novo mantra, e a voz firme e límpida preenche todo o espaço. Fechar os olhos e ouvi-lo entoando o Hare Krishna é sentir uma forte conexão com o universo, independentemente de crenças. Todas as religiões são bem vindas aqui, inclusive nenhuma delas.