Sobre parar e continuar
Publicado; 14/08/2014 Arquivado em: China 6 ComentáriosSaí para almoçar sem decidir. O próximo destino, tão instintivo até aqui, parecia engasgado. Tinha os 10 meses exaustos de estrada. Tinha a China imensa e demolidora do último mes. Tinha a Mongólia soando meio inóspita demais como próximo destino (se bem que a história do visto liberado pareceu alvissareira – leia isso se considera conhecer o país até 2015).
Foi nesse cenário que nos esbarramos na recepção do hostel, ele ainda voltando da noitada anterior. O doutor portorriquenho não está viajando há dez, mas nove meses. Acabou de vir da Mongólia, e antes do Oriente Médio e da África. Me presenteou seu guia do último destino, além de depoimentos empolgados e dicas que não chegariam de outra forma. Também me emprestou afinidade e brilho nos olhos que andavam preguiçosos com isso de colocar a mochila nas costas.
Sentados na sarjeta em frente ao hostel, entre blocos de anotação, folders e telefones, nos mostramos marcas da viagem – eu uma tatuagem preta média na perna depois de uma picada de mosquito infeccionada no Camboja; ele um pedaço de pele extirpado enquanto explorava a Mongólia a cavalo.
Praguejei contra a sinusite bacteriana que me atropelou nas duas últimas semanas. Confessei o pranto desconsolado enquanto derretia de febre no sotão de um albergue no interior da China. Ele disse que não sabia o que era chorar até pegar malária em Moçambique. Ficou 18 dias doente,12 achando que ia morrer, não tinha vaga no hospital. Falou do pânico que foi perder a noção de quem era por alguns minutos enquanto tentava comprar remédios. “Só pensava que aquilo ia me fazer mais forte e virar uma história de viagem”.
– Mas sério, estou cansada.
– Eu também. Já considerei parar e voltar quando der.
– Também. Mas alguma coisa continua dizendo para continuar.
– Foi tão complexo o processo de separar esse ano, de finalmente estar aqui, que parece meio ridículo desistir agora. Até porque, que depois é esse? Quem garante que amanhã eu posso voltar?
Ninguém garante, dizem os jornais.