A tortura da logística

Um ano de viagem. Tempo de sobra para ver muita coisa, né? Hm, nem tanto.

Como vocês já devem ter percebido no roteiro, são 16 países em 12 meses, uma conta apertada de menos de um país por mês.  A situação dá uma aliviada porque a passagem vai ser mais rápida em alguns lugares. Butão e Maldivas, cujos custos são super altos, vão receber menos de uma semana. Cingapura, que é menorzinha, também deve demandar bem menos de um mês.

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Por outro lado, países de dimensões continentais, como Índia e China, são um desafio logístico a parte. Só para a Índia foram reservados três meses. Parecia mais que suficiente até começar a marcar no mapa as cidades/pontos de interesse.

Cheguei a um assombroso número de 64, uma média de 1,4 dia por cidade (!!!). Junte isso à tentativa de encaixar deslocamento geográfico com os períodos de festivais e ao quebra-cabeça para minimizar os riscos de segurança, e você chega a uma pessoa que já não tem unhas para roer há um bom tempo.

A conclusão é que alguma coisa vai ficar para trás, mas aí vem a tortura de pesar o que é mais importante quando tudo parece merecer uma visita, “já que vai estar lá mesmo”. E eis mais uma reflexão para o capítulo de que viagem e relaxamento nem sempre caminham juntos.


O dia do deus-elefante

Imagem que recebi no email da Travel Parkz, agência de viagens de Mysore.

Imagem que recebi no email da Travel Parkz, agência de viagens de Mysore.

Minha caixa de entrada acaba de dizer uma verdade contundente: “Filha, você já está com um pé lá e outro cá”. Recebi um simpático email de uma agência de viagem indiana com a mensagem “Happy Ganesh Chaturthi!”. Por outro lado, nenhuma mensagem de empresa ou órgão brasileiro comemorando o Dia da Independência.

É curioso pensar que nossas tradicionais festividades passam batidas para bilhões de pessoas de outras culturas. Achei graça esses dias quando pesquisava futuras datas de palestras do Dalai Lama.  Elas foram encaixadas, aleatoriamente, entre 25 de dezembro e 3 de janeiro.

Por outro lado, nós ocidentais mal temos notícia do que mobiliza as pessoas do outro lado do mundo. O hinduísmo e seus milhões de deuses, avatares e festividades, por exemplo, parecem algo muito exótico e complexo para entender. Realmente é, mas aí que está a parte boa.

Representado com corpo humano e cabeça de elefante, Ganesha surgiu de um acidente provocado por um marido ciumento. Enquanto tomava banho, a deusa Parvati pediu para um menino vigiar a porta. Quando seu marido Shiva chegou e viu o rapaz, cortou a cabeça dele. Indignada, Parvati exigiu que algo fosse feito e Shiva mandou seus guardas trazerem a cabeça do primeiro ser vivo que encontrassem pelo caminho. O resto vocês já imaginam.

Segundo a jornalista Florência Costa (comprem Os Indianos!), o Ganesha Chaturthi é um dos festivais mais populares da Índia moderna, celebrado com especial dedicação em Mumbai, capital financeira da Índia. O deus-elefante simboliza a prosperidade, a sabedoria e a inteligência, além de ser considerado um removedor de obstáculos poderoso. Tudo a ver com os ideais emergentes despertados pelo crescimento econômico indiano das últimas décadas.

Em 2013, o festival será comemorado na segunda-feira (9). Feliz dia do deus-elefante, gente!


Vistos – Índia, Sri Lanka e Maldivas

Poupando horas de pesquisa dos leitores viajantes, parte 1.

Para chegar em Thanjavur, so com visto. (Ryan Ready / Creative Commons)

Para chegar em Thanjavur, em Tamil Nadu, só com visto. (Ryan Ready / Creative Commons)

Índia – Exige visto de brasileiros. O Consulado Geral em São Paulo atende São Paulo, Rio de Janeiro e os estados do Sul, enquanto a Embaixada da Índia em Brasília todos os demais estados. Ambos aceitam envio de documentação pelos Correios. Em Brasília é possível se apresentar pessoalmente e as taxas podem ser pagas em dinheiro (direto na Embaixada) ou em cheque administrativo. São Paulo só aceita depósito em conta e o atendimento personalizado é liberado apenas para emergências.

São diversos tipos, taxas e períodos de duração de visto, dependendo do perfil do visitante (turista, negócios, estudantes, trabalho, jornalista, voluntários, etc) e dos locais visitados (há várias áreas protegidas que exigem pedidos específicos). Em São Paulo, por exemplo, um visto básico para turista, com duração de seis meses e múltiplas entradas, sai por R$ 185 com todas as taxas inclusas, e geralmente é expedido em um dia (sem contar o período de trânsito pelos Correios). Detalhe importante: a validade do visto indiano começa a correr a partir da data de expedição, e não de entrada no país.

Sri Lanka –  Tem um sistema online de vistos para entradas de até 30 dias. A taxa geral é de 30 dólares, e pode ser paga com cartões de crédito das principais bandeiras. O prazo do visto começa a contar a partir da data de chegada ao país.

Até os paraísos tem uma certa burocracia.  (Maldivas/ Sarah Ackerman)

Até os paraísos têm regras. (Sarah Ackerman / Creative Commons)

Maldivas – O visto de 30 dias é emitido na chegada, gratuitamente, para todos os visitantes. É preciso apresentar passaporte, comprovante de passagem de volta e de fundos suficientes para permanência no país (150 dólares por dia ou confirmação de reserva em hotel ou resort).

*informações atualizadas até agosto de 2013


A Índia nossa de cada dia

O lugar que deu origem ao Kama Sutra proíbe beijos em filmes. Abriga um dos homens mais ricos do mundo (o industrial Mukesh Ambani), mas é a casa de centenas de milhões que vivem muito abaixo da linha da pobreza.

Particularmente, vejo que o maior contraste da Índia está no fato de o país ser uma grande democracia, berço de filosofias lindíssimas, e manter um ainda rígido sistema de castas. Por mais que as castas baixas estejam conquistando espaço nas últimas décadas (sim, já existem dalits milionários!), a estrutura é milenar e as mudanças vêm a passos lentos, especialmente no interior do país.

Meninos dalits no Rajastão (Malteser International / Carmen Wolf)

Meninos dalits no Rajastão (Malteser International / Carmen Wolf)

O curioso é que hoje, enquanto lia o ótimo Os Indianos, da jornalista brasileira Florência Costa, me ocorreu que esse mesmo impasse está, de certa forma, bem na nossa porta. A democracia também é  a regra por aqui e dizemos seguir uma filosofia que prega amar o próximo como a nós mesmos (86,8% da população brasileira é cristã, segundo o último censo), mas ainda temos uma questão racial muito mal resolvida.

Comparando lá e cá, trata-se da mesma porcentagem enorme de excluídos por nascimento (lá por casta, aqui por cor), que têm a mesma dificuldade para arrumar bons empregos que permitam subir na vida. É o mesmo histórico de humilhações. É a mesma demanda por intervenção do Estado para cotas no sistema de ensino e no serviço público. A diferença, de repente, é que lá as coisas são mais escancaradas.

p.s.: só para reforçar que a Índia é aqui mesmo, lembrei que o economista Edmar Bacha apelidou o Brasil de Belíndia em uma fábula lançada na década de 1970 (leis e impostos da Bélgica + desigualdade indiana).